key: cord-0990941-5zmuzvpn authors: Lima, Rodrigo Moreira e; de Andrade Reis, Leonardo; de Souza Lara, Felipe Thyrso; Dias, Lino Correa; Matsumoto, Márcio; Mizubuti, Glenio; Hamaji, Adilson; Cabral, Lucas Wynne; da Silva Telles Mathias, Lígia Andrade; Lima, Lais Helena Navarro e title: Recomendações para realização de anestesia loco-regional durante a pandemia de COVID-19 date: 2020-06-10 journal: Rev Bras Anestesiol DOI: 10.1016/j.bjan.2020.05.002 sha: f363c86a180b0f0ec3d1e3e51a20e3094191c5f5 doc_id: 990941 cord_uid: 5zmuzvpn Resumen Desde o início da pandemia de COVID-19, muitas questões surgiram referentes à segurança do manejo anestésico de pacientes acometidos pela doença. A anestesia regional, seja esta periférica ou neuroaxial, é alternativa segura no manejo do paciente COVID-19, desde que o emprego de modalidades que minimizam o comprometimento da função pulmonar seja escolhido. A adoção desta técnica anestésica minimiza os efeitos adversos no pós-operatório e oferece segurança para o paciente e equipe, desde que sejam respeitados os cuidados com proteção individual e de contágio interpessoal. Respeito às contraindicações e emprego criterioso das técnicas e normas de segurança são fundamentais. Este manuscrito tem por objetivo revisar as evidências disponíveis sobre anestesia regional em pacientes com COVID-19 e oferecer recomendações práticas para sua realização segura e eficiente. Abstract Since the beginning of the COVID-19 pandemic, many questions have come up regarding safe anesthesia management of patients with the disease. Regional anesthesia, whether peripheral nerve or neuraxial, is a safe alternative for managing patients with COVID-19, by choosing modalities that mitigate pulmonary function involvement. Adopting regional anesthesia mitigates adverse effects in the post-operative period and provides safety to patients and teams, as long as there is compliance with individual protection and interpersonal transmission care measures. Respecting contra-indications and judicial use of safety techniques and norms are essential. The present manuscript aims to review the evidence available on regional anesthesia for patients with COVID-19 and offer practical recommendations for safe and efficient performance. Epidural anesthesia; Since the beginning of the COVID-19 pandemic, many questions have come up regarding safe anesthesia management of patients with the disease. Regional anesthesia, whether peripheral nerve or neuraxial, is a safe alternative for managing patients with COVID-19, by choosing modalities that mitigate pulmonary function involvement. Adopting regional anesthesia mitigates adverse effects in the post-operative period and provides safety to patients and teams, as long as there is compliance with individual protection and interpersonal transmission care measures. Respecting contra-indications and judicial use of safety techniques and norms are essential. The present manuscript aims to review the evidence available on regional anesthesia for patients with COVID-19 and offer practical recommendations for safe and efficient performance. A pandemia de COVID-19 expõe toda a equipe médica e, principalmente, o anestesista, a grande risco de contaminação. Em se tratando de doença com alto potencial de gravidade, especialmente para a população de risco, devido ao alto risco de contágio e de transmissão para terceiros durante o seu período assintomático, a adoção de medidas preventivas é necessária. As alterações fisiopatológicas da doença e os fármacos empregados no seu tratamento podem interagir com os anestésicos e técnicas anestésicas, provocando desfechos desfavoráveis. A American Society of Regional Anestesia -ASRA, [1] a European Society of Regional Anesthesia and Pain Medicine -ESRA [2] e a European Society of Anesthesiology -ESA [3] emitiram recomendações sobre a utilização da anestesia regional no paciente portador de COVID-19. Tais recomendações foram revisadas em parceria com a Latin American Society of Regional Anesthesia -LASRA (capítulo Brasil) e a Sociedade Brasileira de Anestesiologia -SBA, fornecendo ao anestesista recomendações práticas para o manejo seguro dos pacientes ( fig. 1 ). É importante ressaltar que, frente à alta incidência de portadores assintomáticos da doença, estas recomendações também devem ser consideradas em casos nos quais a suspeição da doença está presente. Por que anestesia regional? A anestesia geral requer abordagem da via aérea, situação na qual existe grande risco de contágio da doença pela equipe médica, principalmente para os anestesistas, devido à produção de aerossóis. [4, 5] Técnicas para minimizar a geração de aerossóis, tais como indução em sequência rápida, [6] implicam em maior risco de lesões, falhas de intubação e necessidade de ventilação com balão-máscara por dessaturação. O risco de transmissão da infecção respiratória aguda para os profissionais de saúde durante a intubação traqueal é 6,6 vezes maior no grupo exposto a esta técnica. [2] A anestesia geral não produz analgesia pós-operatória, demandando o uso de analgésicos diversos para o controle da dor, como opioides, anti-inflamatórios e adjuvantes (clonidina, dexmedetomidina, cetamina, sulfato de magnésio, lidocaína). Tais medicações podem interagir com as diversas terapêuticas atualmente utilizadas no tratamento da COVID-19 e produzir efeitos colaterais que se somam às alterações fisiopatológicas, com potenciais efeitos adversos. Náuseas e vômitos (PONV) são frequentes após a anestesia geral, potencializando o risco de contágio dos profissionais de saúde e o desconforto do doente. As medicações utilizadas no tratamento e profilaxia de PONV podem ter efeitos adversos no paciente com COVID-19. A anestesia regional produz analgesia por tempo prolongado, muitas vezes por 24 horas ou mais, diminuindo o consumo de analgésicos e tem potencial para reduzir a incidência de PONV. Até o presente momento, não existem evidências na literatura de que a anestesia regional agrave o quadro de COVD-19 ou tenha efeitos adversos específicos nos pacientes com esta doença. Evidências sugerem que a anestesia regional, incluindo os bloqueios de neuroeixo, [7, 8] seja segura. Há, porém, evidências sugerindo maior incidência de hipotensão arterial após bloqueio de neuroeixo, [9] como será discutido mais adiante neste artigo. Deste modo a anestesia regional torna-se alternativa interessante nos pacientes com COVID-19. [10] [11] [12] A COVID-19 pode causar trombocitopenia. [16] Devido ao seu potencial efeito trombogênico, os pacientes com diagnóstico da COVID-19 frequentemente estão em uso de anticoagulantes. É fundamental a coleta de exames para análise da coagulação sanguínea sempre que possível, além do conhecimento sobre as recomendações em relação ao uso de fármacos anticoagulantes e bloqueios regionais. [17] Insuficiência hepática e renal pode ocorrer nos casos mais graves. A coleta de exames de sangue é útil nestes casos para diagnóstico e acompanhamento da evolução destas disfunções orgânicas. Sintomas neurológicos têm sido descritos em pacientes com COVID-19. [18] Estes sintomas podem ser divididos em duas categorias: 1) Sintomas do Sistema Nervoso Central (SNC), como cefaleia, tontura, doença cerebrovascular aguda e epilepsia; e 2) Sintomas do sistema nervoso periférico, como anosmia, hipogeusia, hipopsia e neuralgias. Portanto, frente à decisão sobre qual a técnica anestésica mais apropriada e segura para os pacientes confirmados ou suspeitos de COVID-19, torna-se imperativa a pesquisa criteriosa dos sintomas neurológicos potencialmente presentes, da mesma forma que se faz com os sintomas pulmonares ou cardiovasculares comuns nestes pacientes. [19] Desta forma, podemos nos deparar com casos nos quais a diferenciação entre cefaleia pós-punção dural e cefaleia por infecção por SARS-CoV-2 seja difícil. Assim como, pode ser difícil distinguir entre neuralgia viral e aquela causada por lesão mecânica após bloqueio regional. Por fim, durante a realização da raquianestesia, potencialmente, o vírus SARS-CoV-2 pode ser carreado, por meio da agulha, para dentro do SNC. É importante mencionar que não há nenhuma evidência direta deste meio de inoculação do vírus até o momento. Por outro lado, a anestesia geral compromete a barreira hematoencefálica, [20] o que pode facilitar a invasão do vírus no SNC. Assim, nos pacientes com sintomas neurológicos presentes, sejam centrais ou periféricos, a avaliação do risco e do benefício da anestesia regional deve ser criteriosa. Leito em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) pode ser necessário para o paciente com COVID-19. Em estudo retrospectivo com 34 pacientes confirmados para a doença, Lei e colaboradores encontraram mortalidade de 20,5% e necessidade de leito em UTI para 44,1% dos pacientes. [21] . A unidade cirúrgica deve ser preparada de forma a evitar o contato e proximidade dos pacientes suspeitos ou confirmados para COVID-19 com pacientes sem a doença. O paciente deve ser levado imediatamente para a sala cirúrgica onde será avaliado, anestesiado e recuperado, evitando, assim, a contaminação de outras salas e a sua permanência em áreas comuns. Os materiais e medicamentos a serem utilizados devem ser embalados individualmente. Todos os pacientes devem ser transportados para a unidade cirúrgica portando máscara cirúrgica. Materiais e medicamentos adicionais podem ser mantidos fora das salas cirúrgicas e dispensados por auxiliar quando requisitados. Recomenda-se restringir o número de pessoas na sala cirúrgica ao mínimo necessário. [11, 22, 23] O uso da monitorização habitual deve ser seguido, conforme determina a Cuidados para a anestesia regional Nos pacientes com distúrbio de coagulação, os bloqueios do neuroeixo são contraindicados. Bloqueios regionais em sítios profundos e não compressíveis também são contraindicados. A anestesia regional em sítios superficiais e compressíveis pode ser realizada, considerando-se o risco/benefício, nos pacientes com alterações leves a moderadas da coagulação. [24, 25] Nos casos de pacientes negativos para COVID-19 e que não estiveram em situação de risco, a anestesia pode ser realizada com cuidados habituais. O uso de máscara cirúrgica nestes pacientes se justifica já que existem exames com resultados falso negativos. O paciente deve ser mantido com máscara cirúrgica sempre que possível e o anestesista deve usar máscara cirúrgica durante todo o contato com o paciente, juntamente com gorro, proteção ocular e luvas. [16, 26] A lavagem por pelo menos 20 segundos das mãos é obrigatória, podendo ser substituída por aplicação de álcool 70%. Nos pacientes confirmados ou suspeitos para a doença, a adoção de medidas de proteção individual é obrigatória, sendo estas: avental impermeável (gramatura mínima de 30 g.m -2 ), uso de luvas de proteção, óculos, uso de máscara facial N95 ou similar e touca. [21] Os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) devem ser colocados antes de entrar à sala cirúrgica e devem ser retirados em sala destinada a este fim, preferencialmente com a presença de um observador atento às possibilidades de contaminação. Apesar da recomendação favorável ao uso de máscara cirúrgica quando em contato com o paciente com COVID-19 em procedimentos curtos e não geradores de aerossol, [27] deve-se considerar a possibilidade de falhas de bloqueio, necessidade de assistência ventilatória ou conversão para anestesia geral. Nestes casos o uso prévio de máscara N95 ou similar evita exposição da equipe em eventual situação de urgência. [28] Na eventual escassez da máscara N95, o uso de máscara cirúrgica é aceitável. O uso de técnicas assépticas deve ser assegurado, tanto para segurança do paciente, quanto para a da equipe médica. O vírus SARS-CoV-2 já foi isolado no líquor; por esse motivo, recomenda-se evitar seu gotejamento durante a anestesia espinhal. [31] Os portadores de COVID-19, como já mencionado anteriormente, podem apresentar instabilidade hemodinâmica, principalmente após bloqueios de neuroeixo, podendo ocorrer intensa hipotensão. [13, 32] O emprego de vasopressores pode ser necessário. A adoção do ultrassom (USG) e de neuroestimuladores durante a realização da anestesia regional deve ser encorajada para melhorar a qualidade do bloqueio e reduzir as chances de falhas, bem como minimizar os riscos de lesões neurológicas. [33] A avaliação da instalação do bloqueio deve ser realizada, garantindo a qualidade da anestesia e evitando a necessidade de sedação profunda ou possível conversão para anestesia geral. É fundamental a escolha adequada do bloqueio e sua realização em ótimas condições, preferencialmente pelo anestesista mais experiente em realização de anestesia regional. A recuperação pós-anestésica deve, preferencialmente, ocorrer na sala cirúrgica. Ao término do procedimento, os EPIs devem ser retirados com cautela para evitar a contaminação da equipe. [36] O conhecimento prévio da técnica de anestesia regional, assim como de paramentação e de desparamentação de EPIs, o treinamento das equipes e dos profissionais e a utilização de medidas de proteção são as ações mais importantes frente à COVID-19. Um resumo das recomendações anteriormente descritas está apresentado no infográfico a seguir, adaptado das recomendações americanas e europeias. [1] Conclusão A anestesia regional é alternativa interessante no manejo do paciente com COVID-19. A adoção de técnica anestésica adequada minimiza os efeitos adversos no pós-operatório e oferece segurança para o paciente e para a equipe de saúde, desde que sejam respeitados os cuidados descritos. O emprego criterioso das técnicas e normas de segurança é fundamental. O conhecimento sobre as particularidades da fisiopatologia da doença e de seus sintomas ajuda na decisão sobre qual a técnica anestésica mais segura e adequada para cada paciente. Os autores declaram não haver conflitos de interesse. Recomendações sobre a utilização da anestesia regional no paciente portador de COVID-19. Practice Recommendations on Neuraxial Anesthesia and Peripheral Nerve Blocks during the COVID-19 Pandemic COVID-19 Guidance for Regional Anesthesia Neuraxial Anesthesia and Peripheral Nerve Blocks Practical recommendations for critical care and anesthesiology teams caring for novel coronavirus (2019-nCoV) patients Infection prevention and control of epidemic-and pandemicprone acute respiratory diseases in health care Aerosol generating procedures and risk of transmission of acute respiratory infections to healthcare workers: A systematic review Recommendations for Endotracheal Intubation of COVID-19 Patients Spinal anaesthesia for patients with coronavirus disease 2019 and possible transmission rates in anaesthetists: retrospective, single center, observational cohort study Anaesthesia and infection control in cesarean section of pregnant women with coronavirus disease Safety and efficacy of different anesthetic regimens for parturients with covid-19 undergoing cesarean delivery: a case series of 17 patients Spinal anesthesia is associated with decreased complications after total knee and hip arthroplasty Risk assessment for respiratory complications in paediatric anaesthesia: A prospective cohort study Practical considerations for performing regional anesthesia: Lessons learned from COVID-19 pandemic Preparing for a covid-19 pandemic: A review of operating room outbreak response measures in a large tertiary hospital in singapore Coronavirus disease 2019 (COVID-19): update for anesthesiologists and intensivists The renin-angiotensin system in cardiovascular autonomic control: recent developments and clinical implications Thrombocytopenia is associated with severe coronavirus disease 2019 (covid-19) infections: A meta-analysis Guidelines From the American Society of Regional Anesthesia and Pain Medicine, the European Society of Regional Anaesthesia and Pain Therapy, the American Academy of Pain Medicine, the International Neuromodulation Society, the North American Neuromodulation Society, and the World Institute of Pain Neurologic Manifestations of Hospitalized Patients With Coronavirus Disease Safety Considerations for neuraxial anaesthesia in parturients with COVID-19 Anesthesia and surgery impair blood-brain barrier and cognitive function in mice Clinical characteristics and outcomes of patients undergoing surgeries during the incubation period of COVID-19 infection Practice Recommendations on Neuraxial Anesthesia and Peripheral Nerve Blocks during the COVID-19 Pandemic. ASRA/ESRA COVID-19 Guidance for Regional Anesthesia Protecting healthcare workers from SARS-CoV-2 infection: practical indications Regional Anesthesia in the Patient Receiving Antithrombotic or Thrombolytic Therapy American Society of Regional Anesthesia and Pain Medicine Evidence-Based Guidelines (Fourth Edition) Regional anaesthesia and antithrombotic agents: recommendations of the European Society of Anaesthesiology Procedimento operacional padronizado -Equipamento de proteção individual e segurança no trabalho para profissionais de saúde da APS no atendimento às pessoas com suspeita ou infecção pelo novo coronavírus Rational use of personal protective equipment for coronavirus disease 2019 (covid-19) Labor and Delivery Guidance for COVID-19 Evaluation of droplet dispersion during noninvasive ventilation, oxygen therapy, nebuliser treatment and chest physiotherapy in clinical practice: implications for management of pandemic influenza and other airborne infections Exhaled air dispersion during oxygen delivery via simple oxygen mask Neurological complications of coronavirus disease (covid-19): encephalopathy Strategies for prevention of spinal-associated hypotension during cesarean delivery: Are we paying attention? ASRA Practice Advisory on Neurologic Complications in Regional Anesthesia and Pain Medicine Unintentional dural puncture with a Tuohy needle increases risk of chronic headache Contamination: a comparison of 2 personal protective systems