key: cord-0911752-v3aqkvsw authors: Goldraich, Livia Adams; Silvestre, Odilson Marcos; Gomes, Edval; Biselli, Bruno; Montera, Marcelo Westerlund title: Tópicos Emergentes em Insuficiência Cardíaca: COVID-19 e Insuficiência Cardíaca date: 2020-11-01 journal: Arq Bras Cardiol DOI: 10.36660/abc.20201081 sha: 8d9095444467a2f1361c3b1e964dbaef4cc209a4 doc_id: 911752 cord_uid: v3aqkvsw nan Alguns autores têm proposto a denominação de "síndrome cardiovascular aguda pela COVID-19" para descrever as alterações do sistema cardiovascular associadas à infecção pelo SARS-CoV-2. 1 Entre as diferentes manifestações, podem ocorrer injúria miocárdica, miocardite, infarto do miocárdio com coronárias normais (MINOCA), arritmias, Takotsubo, derrame pericárdico, insuficiência cardíaca (IC), além dos fenômenos tromboembólicos 2,3 (Tabela 1). Enfatizaremos a injúria miocárdica, a miocardite, a síndrome Takotsubo e a ocorrência e peculiaridades da COVID-19 em portadores de IC. O impacto da injúria miocárdica relacionada à infecção por SARS-CoV-2 foi reconhecido já no início da pandemia, com dados chineses e, subsequentemente, múltiplas coortes de diversos países, invariavelmente demonstrando aumento de mortalidade associado à elevação de troponina. 2, 4 Os potenciais mecanismos de envolvimento cardíaco em pacientes com COVID-19 são múltiplos e envolvem fatores diretos de infecção viral e, principalmente, indiretos de dano miocárdico. A presença do receptor da enzima de conversão da angiotensina 2 na superfície do cardiomiócito e das células endoteliais vasculares sugeria que o SARS-CoV-2 poderia levar ao dano tóxico pelo vírus e, consequentemente, miocardite. 5 No entanto, um estudo alemão baseado em autópsias detectou cópias do vírus em células intersticiais e em macrófagos invadindo o miocárdio, mas não em cardiomiócitos. 6 Além disso, a presença de genoma viral no coração não se associou a infiltrado inflamatório típico de miocardite, sugerindo que a infecção pelo SARS-CoV-2 não ocasiona um quadro celular inflamatório clássico. É possível que outras vias de injúria inflamatória possam desempenhar papel no dano miocárdico pelo vírus, envolvendo, particularmente, vasculite e ativação sistêmica da liberação de citocinas. Apesar desses dilemas em relação à fisiopatologia do dano miocárdico causado pela infecção por COVID-19, diversos casos de miocardite fulminante vêm sendo reportados. 5, 7 As apresentações clínicas parecem ser variáveis, porém semelhantes às manifestações de miocardites causadas por outros agentes virais, incluindo dor torácica, dispneia, arritmias, febre e algum grau de disfunção ventricular. O eletrocardiograma pode demonstrar alterações difusas do segmento ST, infra ou supradesnível de segmentos PR ou ST e, às vezes, pode mimetizar alterações compatíveis com infarto agudo com supradesnível de ST. 2,3 As troponinas encontramse elevadas, embora em valores absolutos menores do que os observados em síndromes coronarianas. A dosagem de peptídeos natriuréticos pode auxiliar na confirmação diagnóstica de miocardite, particularmente quando os níveis de troponina estiverem pouco alterados. Alterações difusas na motilidade ao ecocardiograma parecem ser mais comuns na suspeita de miocardite, comparativamente às síndromes isquêmicas agudas. O uso da ressonância magnética pode auxiliar na confirmação diagnóstica, apresentando padrão típico de comprometimento inflamatório. Parece haver uma alta proporção de pacientes com elevação de troponina e/ou alterações de eletrocardiograma que demonstram persistência de quadro inflamatório e/ou achados de miocardite subclínica na ressonância magnética cardíaca, mesmo após a recuperação da COVID-19 (aproximadamente 56 dias após quadro agudo). 8 A concomitância de níveis elevados de troponinas, alterações no eletrocardiograma e presença de algum grau de disfunção ventricular configuram pior prognóstico na miocardite por SARS-CoV-2, embora qualquer evidência de injúria miocárdica deva ser considerada como marcador de risco para pacientes com diagnóstico de COVID-19, independentemente da suspeita de miocardite. Assim como no manejo da infecção por COVID-19 e suas múltiplas repercussões sistêmicas, a estratégia terapêutica específica para miocardite por SARS-CoV-2 baseia-se principalmente em tratamento de suporte sistêmico. O uso de imunomoduladores, como corticosteroides, e bloqueadores do receptor de interleucina 6, como tocilizumab, foi reportado em relatos de caso e em revisão sistemática recente e seus efeitos na COVID-19 ainda estão sob investigação. 9,10 Arritmias merecem algum grau de monitorização, embora não haja tratamento específico recomendado no contexto da infecção por SARS-CoV-2. 11 Houve um aumento de cerca de cinco vezes na incidência de síndrome Takotsubo durante a pandemia por SARS-CoV-2, em comparação com as síndromes coronárias agudas, que tiveram redução dos casos no mesmo período. Uma coorte da Cleveland Clinic mostrou que, durante a pandemia, cerca de 8% dos casos que se apresentaram como síndrome coronária aguda eram Takotsubo, diferente da incidência de 1% relatada antes da pandemia. 12 Os mecanismos fisiopatogênicos associados a esse aumento podem ser resultado direto do vírus, causando uma miocardite que mimetiza o Takotsubo (cardiomiopatia Takotsubo-like) ou, mais provável, o efeito do estresse psicológico imposto pela quarentena e pelo risco da pandemia, pela perda da interação social causada pelas regras de distanciamento e pelas consequências socioeconômicas da pandemia. As séries de caso mostram apresentação clínica semelhante àquelas relacionadas a outros fatores estressantes e mortalidade similar àquela descrita fora da situação de pandemia por COVID-19. A presença de IC no contexto da COVID-19 identifica um subgrupo de manejo complexo e de maior morbimortalidade. A IC pode representar tanto um fator de risco para uma pior evolução infecciosa quanto uma complicação cardiovascular grave causada pelo vírus SARS-CoV-2. 13 A ativação da cascata inflamatória, a hiperestimulação do sistema neuro-humoral e a toxicidade viral direta representam alguns dos possíveis mecanismos fisiopatológicos para a IC aguda nova ou descompensada nesse cenário. Pacientes hospitalizados com IC devem, preferencialmente, realizar pesquisa de SARS-CoV-2 em virtude da sobreposição de sinais e de sintomas e devem ser submetidos à avaliação minuciosa sobre o status volêmico, além de avaliação laboratorial, ecocardiográfica e radiológica. A COVID-19 pode ser entendida como uma síndrome inflamatória sistêmica e essa característica deve ser considerada na prescrição de vasodilatadores para indivíduos com IC aguda. A manutenção de medicações recomendadas pelas diretrizes deve ocorrer durante a internação naqueles com hemodinâmica preservada e normotensos. Outras estratégias, como a telemedicina, incluindo o telemonitoramento e as consultas virtuais, foram importantes no manejo da IC crônica e na prevenção infecciosa. Além de reduzir o risco de exposição viral, esses programas auxiliaram nas orientações preventivas para a COVID-19 e na identificação de pacientes sob risco de descompensação. 14 O espectro do acometimento cardíaco pela COVID-19 em pacientes com ou sem insuficiência cardíaca prévia é atualmente um conhecimento em evolução. Da mesma forma, as consequências a médio e longo prazo dos efeitos da infecção por SARS-CoV-2 no coração poderão trazer desdobramentos clínico-epidemiológicos relevantes, porém ainda pouco previsíveis. É provocativo considerar que possamos estar diante de uma nova etiologia de cardiomiopatia, que eventualmente poderá contribuir para o aumento da incidência de IC nos próximos anos. Description and Proposed Management of the Acute COVID-19 Cardiovascular Syndrome O Coração e a COVID-19: O que o Cardiologista Precisa Saber Coronavirus Disease 2019 and the Myocardium Association of Cardiac Injury With Mortality in Hospitalized Patients With COVID-19 in Wuhan, China Cardiac involvement in a patient with coronavirus disease 2019 (COVID-19) Association of Cardiac Infection With SARS-CoV-2 in Confirmed COVID-19 Autopsy Cases Coronavirus fulminant myocarditis treated with glucocorticoid and human immunoglobulin Recovered COVID-19 Patients Show Ongoing Subclinical Myocarditis as Revealed by Cardiac Magnetic Resonance Imaging Recognizing COVID-19-related myocarditis: The possible pathophysiology and proposed guideline for diagnosis and management A recovered case of COVID-19 myocarditis and ARDS treated with corticosteroids, tocilizumab, and experimental AT-001. JACC Case Rep A Systematic Review of COVID-19 and Myocarditis Incidence of Stress Cardiomyopathy During the Coronavirus Disease 2019 Pandemic Effect of heart failure on the outcome of COVID-19 -A meta analysis and systematic review Heart failure management during the COVID-19 outbreak in Italy: a telemedicine experience from a heart failure university tertiary referral centre