key: cord-0884191-cxnzxfbt authors: Almeida, Andre Luiz Cerqueira; Melo, Marcelo; Rodrigues, Rodrigo Elton Ferreira; Botelho, Luis Fábio; Almeida, Paulo André Abreu; Barberato, Silvio Henrique title: Impacto da COVID-19 na Vida do Cardiologista e Cirurgião Cardiovascular Brasileiros date: 2021-11-01 journal: Arq Bras Cardiol DOI: 10.36660/abc.20201231 sha: be61e4066a73726988afc9486fa162a7b2b0da8f doc_id: 884191 cord_uid: cxnzxfbt nan A pandemia da COVID-19 (sigla do inglês Coronavirus Disease -2019) impactou significativamente os serviços de cardiologia. O número de consultas, exames e intervenções cardiológicas diminuiu em várias partes do mundo nos últimos meses.1,2 Contudo, apesar da pressão crescente e da carga sobre o sistema de saúde, a oferta de serviços em cardiologia não foi interrompida, já que doença cardiovascular preexistente coloca os pacientes sob maior risco de infecção, complicações e a manifestações cardíacas primárias da COVID-19. 3 Além disso, os efeitos da COVID-19 têm afetado a sociedade em geral e os profissionais de saúde em particular, a saber: impacto na saúde física e mental, perturbações financeiras e alterações na qualidade de vida. [3] [4] [5] Sendo assim, a pandemia causou verdadeira ruptura em diversos aspectos da prática profissional e da vida de médicos e demais profissionais de saúde. 1, 2, 5 Nosso estudo visou avaliar o impacto causado pela pandemia de COVID-19 na vida dos médicos(as) cardiologistas e cirurgiões(ãs) cardiovasculares brasileiros(as), considerando questões ligadas à atividade profissional, renda, saúde e estilo de vida. Os autores disponibilizaram e divulgaram um formulário online no site da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e no site da Diretoria de Qualidade Assistencial da SBC, convidando os médicos especialistas em cardiologia a participarem. Adicionalmente foram enviados convites por meio de aplicativo de mensagem amplamente disponível para grupos de cardiologistas de sociedades regionais, departamentos e grupos de estudo pertencentes à SBC. Esta participação foi voluntária e secreta, não havendo a opção do cardiologista se identificar. Não houve qualquer compensação financeira ou material como retorno à participação na pesquisa. O período da coleta de dados foi de 10 de julho de 2020 a 22 de julho de 2020. O formulário online (https://wdcom.typeform.com/report/ fmQda3LQ/tOStzUhXlifR8JPj) consistiu em 28 perguntas com preenchimento obrigatório, sobre a prática assistencial e a qualidade de vida do cardiologista brasileiro durante a pandemia da COVID-19. A maioria das questões foi do tipo múltipla escolha, sendo que em muitas delas era possível responder mais de uma opção. Seguindo a recomendação da Resolução 510 do Conselho Nacional de Saúde, este questionário não foi encaminhado para avaliação pelo sistema CEP/CONEP, visto tratar-se de uma pesquisa de opinião pública com participantes não identificados. Foi realizada a análise descritiva dos dados obtidos na amostra. As variáveis nominais ou categóricas foram descritas por seus valores absolutos, percentagens ou proporções. As variáveis numéricas foram descritas como média e desviopadrão ou mediana e intervalo interquartil, a depender do padrão de distribuição. O teste exato de Fisher foi utilizado para testar associações entre variáveis categóricas, utilizando um nível de significância de 5%. A análise dos dados, assim como a construção dos gráficos, foi feita com o auxílio do Excel®, Microsoft 365®. As análises inferenciais foram feitas utilizando o programa estatístico Stata/SE versão 16.1, desenvolvido pela StataCorp®. Observou-se uma associação significativa (p<0,001) entre sexo masculino e maiores faixas de renda (Tabela 1). Cardiologistas que trabalham no setor privado ou têm atividade de docência tiveram maior mudança de renda durante a pandemia (p<0,001). Houve um aumento de 37,5% no número de cardiologistas que passaram a trabalhar em três ou mais plantões por semana durante a pandemia. Por outro lado, 64% reduziram a carga horária no consultório, 22% cancelaram aluguel de sala de consultório, 18% precisaram demitir funcionários e 9% cancelaram investimentos em marketing (Figura 1-D). Como reflexo da redução do retorno financeiro durante a pandemia, 15% dos cardiologistas deixaram de pagar entidades de classe. Outras medidas para redução de custos estão expressas na Figura 2A. Quando analisamos o impacto da pandemia por faixa etária, considerando 50 anos como ponto de corte, dos resultados válidos, 56% dos entrevistados tinham menos de 50 anos e 44% tinham 50 anos ou mais. Desses dois grupos, observamos um aumento (p<0,001) no número de plantões entre os médicos mais jovens, sem impactar na renda média entre os dois grupos. Cardiologistas clínicos representaram 42% da amostra, seguidos por ecocardiografistas (39%), cardiopediatras (7%), hemodinamicistas (6%), eletrofisiologistas (4%) e cirurgiões cardiovasculares (2%) (Figura 3A). Dentre os ecocardiografistas, 54,5% constataram uma redução superior a 50% no volume de exames realizados/mês durante a pandemia (Figura 3B). Na hemodinâmica, 62,8% dos entrevistados relataram redução maior que 50% no volume de exames ou procedimentos no mesmo período (Figura 3-C). Entre os cirurgiões cardiovasculares, 77,3% relataram redução superior a 50% no número de cirurgias (Figura 3-D). A subespecialidade ecocardiografia mostrou associação com redução na prática de atividade física pelos profissionais (p <0,001). As consultas por videoconferência no âmbito da Telemedicina foram autorizadas recentemente no Brasil. Nesta pesquisa, 30% dos entrevistados as realizaram, porém apenas 36% foram reembolsados integralmente pelo serviço (Figura 4). Antes da pandemia, 48,8% das mulheres ganhavam mais de R$20 mil ao mês e, durante a pandemia, houve uma redução de 63%, e apenas 18% continuaram com essa renda. Entre os homens a redução foi de 45% (81,2% para 44,6%) (Figura 5). Apenas 7,6% das mulheres e 1,8% dos homens ganhavam menos de R$10mil por mês antes da pandemia, e esse número O presente estudo relata os resultados da primeira pesquisa nacional que avaliou o impacto causado pela pandemia da COVID-19 nas questões profissionais, financeiras, de saúde (física e mental), e de estilo de vida dos médicos cardiologistas brasileiros. As respostas de 1222 cardiologistas, distribuídos por todas as regiões do Brasil, demonstraram um forte impacto em todas as áreas investigadas. Foi nítida a redução nos ganhos financeiros, associada à redução da carga horária no consultório e à necessidade de aumento no número de plantões semanais. Como consequência, a quitação de alguns compromissos financeiros ficou comprometida, incluindo pagamento de entidade de classe, cursos de aprimoramento profissional e custeio da educação dos filhos. Notamos ainda uma importante redução na prática de atividades físicas e de relações sexuais durante a pandemia, além de aumento nos conflitos familiares e no uso de antidepressivos e ansiolíticos. Quase metade dos cardiologistas relataram aumento no peso corporal e 25% relataram aumento na ingestão de bebidas alcoólicas. Assim como aconteceu com os cardiologistas brasileiros, uma pesquisa divulgada pela British Medical Association em julho de 2020 apontou que 39,5% dos médicos britânicos relataram redução nos ganhos financeiros e 30,7% referiram condições de saúde mental relacionadas ou agravadas pelo seu trabalho durante a pandemia da COVID-19, como depressão, ansiedade, estresse, esgotamento e sofrimento emocional. 4 Em recente pesquisa realizada com 766 urologistas brasileiros, 54,8% relataram redução nos ganhos financeiros superior a 50% durante a pandemia da COVID-19, 32,9% relataram ganho de peso, 60,0% redução na prática de atividade física, 39,9% aumentaram o consumo de álcool e 34,9% referiram redução na atividade sexual. 5 Vários níveis de evidências sugerem que a inatividade física pode provocar importantes repercussões na fisiologia O presente estudo possui algumas limitações inerentes aos estudos transversais baseados em resposta a um questionário. O número de respondentes da atual pesquisa representa pouco menos de 10% do número de cardiologistas associados à SBC. A distribuição geográfica dos participantes da pesquisa é diferente da dos sócios da SBC. Outro ponto relevante é a impossibilidade de comprovar as respostas ou esclarecê-las; porém, apesar da incerteza da veracidade das respostas, o estudo foi coerente com outros dados publicados em âmbito nacional e internacional. Embora nosso estudo tenha encontrado algumas associações interessantes e com significância estatística, tais achados devem ser considerados meramente exploratórios, não podendo desconsiderar a possibilidade de achados falso-positivos pela quantidade de testes de hipóteses realizados. Esse estudo demonstra o impacto negativo da pandemia de COVID-19 no trabalho, renda, saúde e estilo de vida dos médicos cardiologistas brasileiros. São dados de extrema relevância que ajudarão no planejamento em futuros cenários de caos como o atual enfrentamento pandêmico. Não há conflito com o presente artigo O presente estudo não teve fontes de financiamento externas. Não há vinculação deste estudo a programas de pósgraduação. Este artigo não contém estudos com humanos ou animais realizados por nenhum dos autores. Repercussions of the COVID-19 Pandemic on the Care Practices of a Tertiary Hospital COVID-19 pandemic and its impact on service provision: A cardiology prospect COVID-19: A United Kingdom National Health Service Cardiology Perspective Impact of COVID-19 on clinical practice, income, health and lifestyle behavior of Brazilian urologists Replacing Sedentary Time with Physical Activity in Relation to Mortality Will the COVID-19 pandemic worsen the obesity epidemic? China's Hidden Epidemic: Domestic Violence Domestic violence increases in France during COVID-19 lockdown da Família e dos Direitos Humanos O perfil do cardiologista brasileiro -uma amostra de sócios da Sociedade Brasileira de Cardiologia Referências Este é um artigo de acesso aberto distribuído sob os termos da licença de atribuição pelo Creative Commons