key: cord-0772971-3bi5sx1y authors: Avila, Walkiria Samuel; de Carvalho, Regina Coeli title: COVID-19: Um Novo Desafio para a Cardiopatia na Gravidez date: 2020-07-28 journal: Arquivos brasileiros de cardiologia DOI: 10.36660/abc.20200511 sha: b7d1ee84a04a22a5672df73cbcd162ded621e2d9 doc_id: 772971 cord_uid: 3bi5sx1y nan Os primeiros dados epidemiológicos indicam pior evolução e maior mortalidade para os pacientes com COVID-19 portadores de doenças crônicas, como cardiopatia e hipertensão arterial. O Ministério da Saúde do Brasil expandiu esse grupo de alto risco para grávidas, puérperas e mulheres após aborto. 2 Evidências epidemiológicas anteriores sugerem fortemente que as mulheres grávidas têm um risco aumentado de doenças graves e morte por infecções virais durante pandemias, como a gripe. 3 Alterações fisiológicas no período gestacional não aumentam apenas suscetibilidade a infecção viral, mas também a gravidade dessa doença ( 1) . [4] [5] [6] Durante a gravidez, a resposta imune predomina através das células T-helper 2 (Th2), que protegem o feto, mas tornam a mãe mais vulnerável a infecções virais, que são combatidas de forma mais eficaz pelas células Th1. 7 Grávidas infectadas com o vírus influenza, subtipo H1N1, e com dois outros coronavírus patogênicos, SARS-CoV (do inglês, severe acute respiratory syndrome coronavirus) e MERS-CoV (do inglês, Middle East respiratory syndrome coronavirus), apresentaram alta morbimortalidade durante a gravidez e após o parto. Estimou-se que 90% das grávidas com essas infecções virais evoluíram para insuficiência respiratória grave com complicações obstétricas, como aborto, parto prematuro e crescimento intrauterino restrito. Em grávidas infectadas com SARS-CoV ou MERS-CoV, foi relatada mortalidade materna de até 25%, mas não houve relato de transmissão vertical transplacentária. 8 Não há dados de que a gravidez aumente a suscetibilidade à COVID-19. Apesar de escassa evidência, parece que a COVID-19 durante a gravidez é menos grave do que as infecções pelo vírus influenza subtipo H1N1, SARS-CoV e MERS-CoV. Estudos em grávidas infectadas com o SARS-CoV-2 são limitados a pequenas séries. Uma revisão sistemática 9 de 108 grávidas com COVID-19 identificou tosse e febre como as principais queixas, presentes em quase 80% das mulheres, enquanto dispneia foi informada por apenas 12%. Não há relato de morte materna. Das três pacientes graves que precisaram de ventilação mecânica, duas apresentavam obesidade (índice de massa corporal > 35) como fator de morbidade. Outro estudo 10 avaliando 116 grávidas com pneumonia por COVID-19 concluiu que as características clínicas da pneumonia das grávidas eram semelhantes àquelas da população geral. Atualmente não há evidência de que grávidas com COVID-19 estejam mais propensas a desenvolver pneumonia grave em comparação a não grávidas. Felizmente, não houve aumento de aborto espontâneo nem de parto prematuro natural, nem ainda evidência de transmissão vertical de SARS-CoV-2. Transmissão perinatal de COVID-19: Devemos nos preocupar? Dos 75 recém-nascidos de mães com COVID-19, apenas um foi positivo para o vírus e apresentou evolução clínica satisfatória com leve alteração nas enzimas hepáticas. 9 Entretanto, alguns bebês que testaram negativo para COVID-19 apresentaram linfocitopenia e achados radiológicos de pneumonia, e um apresentou coagulação intravascular disseminada. Todos os bebês se recuperaram totalmente. 11, 12 Em vista disso, não se pode excluir a possibilidade de uma resposta subclínica de fetos e recém-nascidos à infecção materna, nem transmissão vertical transplacentária. Portanto, recomenda-se o monitoramento cuidadoso de recémnascidos de mães com COVID-19. infecção pelo vírus, mas podem piorar o desfecho materno [4] [5] [6] . As alterações respiratórias na gravidez levam a redução da capacidade pulmonar total e da complacência torácica no final da gestação. Além disso a hipóxia materna decorrente da hipoventilação e do comprometimento nas trocas gasosas reduz a oferta de oxigênio para o feto, e consequentemente, morte intra-uterina. Nesse contexto, a pneumonia da COVID-19 progride rapidamente de consolidação pulmonar focal para difusa bilateral, predispondo a grave insuficiência respiratória hipoxêmica. COVID-19 pode levar a injúria cardíaca por múltiplos mecanismos, resultando em resposta inflamatória extrema com lesão endotelial e miocardite. 14 Na gravidez e no período pós-parto, insuficiência cardíaca aguda deve ser considerada em algumas circunstâncias, como cardiomiopatia periparto, miocardite viral e edema pulmonar não cardiogênico. Edema pulmonar é também visto em grávidas saudáveis em decorrência de importantes alterações no volume intravascular durante o trabalho de parto e após o parto. Da mesma forma, alterações hemodinâmicas na gestação causam aumento no gradiente da válvula mitral estenótica e pode levar a congestão pulmonar. A cardiopatia congênita cianótica, as lesões obstrutivas do lado esquerdo do coração ou grave disfunção ventricular sistólica apresentam maior risco de complicações cardíacas em mulheres grávidas. A queda da resistência vascular sistêmica piora a hipoxemia em mulheres grávidas com hipertensão pulmonar e com tetralogia de Fallot não corrigida. Coagulopatia sistêmica é um aspecto crítico de morbimor talidade na COVID-19. 14 O estado de hipercoagulabilidade da gravidez eleva o risco de tromboembolismo em mulheres cardiopatas. Nesse cenário, a combinação de COVID-19 e prótese valvular mecânica ou fibrilação atrial na doença valvar reumática aumenta o risco de eventos tromboembólicos em mulheres grávidas. Vale ressaltar que, a cada trimestre da gestação, os níveis de dímero-D aumentam, fato que deve ser considerado na interpretação para diagnóstico de tromboembolismo pulmonar. Inflamação sistêmica e coagulopatia na COVID-19 elevam o risco de ruptura da placa aterosclerótica e infarto agudo do miocárdio. 14 A significativa implicação de infecção pelo SARS-CoV-2 para o sistema cardiovascular é evidenciada por injúria miocárdica aguda (altos níveis de troponina I ultrassensível e/ ou novas anormalidades no ECG/ecocardiograma), arritmias cardíacas complexas e parada cardíaca. Durante a gravidez, síndrome coronariana aguda não é comum. Entretanto, infecções, em especial no pós-parto, são fatores de risco para infarto do miocárdio. As causas mais frequentes de infarto do miocárdio na gravidez são dissecção espontânea de artéria coronária, aterosclerose, trombose coronariana e artérias normais na angiografia com comprometimento da microcirculação coronariana. Estudos recentes mostraram que a enzima de conversão da angiotensina 2 (ECA2) é um receptor funcional de SARS-CoV-2. 15 O sistema renina-angiotensina é o principal responsável pela regulação da pressão arterial e a ECA2 tem papel crítico no controle da fisiologia cardiovascular em grávidas. Angiotensina-(1-7) é significativamente elevada em grávidas saudáveis quando comparadas a não grávidas. Na pré-eclâmpsia, os níveis plasmáticos de angiotensina (1-7) são reduzidos e a angiotensina II plasmática é consistentemente elevada, o que contribui para o desenvolvimento de hipertensão nessas gestantes. Além disso, grávidas com hipertensão crônica apresentam maior risco de pré-eclâmpsia ou síndrome HELLP. Contudo, a relação entre regulação positiva de ECA2 e SARS-CoV-2 na gravidez requer estudos adicionais. Por fim, atualmente, não há dados sobre o desfecho da gravidez em pacientes com cardiopatia ou hipertensão arterial e COVID-19. Entretanto, essas pacientes têm que ser consideradas um grupo de alto risco. Devido à falta de terapêutica específica e de vacina para COVID-19, precisamos estar preparados para prevenir e tratar complicações cardiovasculares na gestação. 13 Cuidado integrado e multidisciplinar deve visar à otimização da terapia, à orientação das pacientes quanto aos riscos da COVID-19 e ao seu tratamento em uma eventual infecção por SARS-CoV-2. As graves consequências da COVID-19 somadas às complicações de grávidas com cardiopatia ou hipertensão arterial podem determinar pior desfecho materno e prognóstico incerto. WHO) Coronavirus disease (COVID-19) Pandemic Protocolo de manejo clínico da Covid-19 na Atenção Especializada Influenza virus infection in pregnancy. A review Cardiovascular physiology of pregnancy Trimester-specific coagulation and anticoagulation reference intervals for healthy pregnancy Respiratory physiology in pregnancy New insights into the relationship between viral infection and pregnancy complications Potential Maternal and Infant Outcomes from (Wuhan) Coronavirus 2019-nCoV Infecting Pregnant Women: Lessons from SARS, MERS, and Other Human Coronavirus Infections. Viruses Este é um artigo de acesso aberto distribuído sob os termos da licença de atribuição pelo Creative Commons Maternal and perinatal outcomes with COVID-19 : A systematic review of 108 pregnancies Coronavirus disease 2019 COVID-19) in pregnant women: a report based on 116 cases Clinical analysis of 10 neonates born to mothers with 2019-nCoV pneumonia Perinatal transmission of COVID_19 associated SARS-Cov2: Should we worry? Online ahead of print Brazilian Cardiology Society Statement for Management of Pregnancy and family Planning in women with Heart Disease-2020-Arq Bras Cardiol Cardiovascular complications in COVID-19 The ACE2 expression in human heart indicates new potential mechanism of heart injury among patients infected with SARS-CoV-2 Cardiovasc Res