Quando um primitivo é como um orbe? WARM UM PRIMITIVO t COMO UM ORBE? J1 HILLIS MILLER Minhas estrategias de analise textual se tornario mais ou me- nos evidentes na leitura que se segue. Sue proveniencia deveritor- nar-se &via. 0 ensaio foi inicialmente pensado come parte do li- vro The Linguistic Moment (Princeton: Princeton University Press, 1985). Aqui, como no livro, minha preocupacio maior e com aqueles mementos em poemas em que a poesia como meio de comunicacao cons- titui problema. Interessa-me particularmente a forma pela qual as fronteiras entre a linguagem conceitual e a figurative se tornam pouco visiveis no poema "A Primitive like an Orb", da Ultima fase da poesia de Wallace Stevens. 1 As figures latentes em termos abs- tratos viem-se forgadas a as revelar e as figuras reveladas se tornam, per sua vez, a Unica forma pela qual certas percepvies "abstratas" conseguem ser expresses. Esse intercambio relaciona- se com a forma pela qual tanto as abstraciies come as figures se constituem em catacreses, termos "imprOprios" para designer UM centre inatingivel, "o poema essencial no centro das coisas" que nio pode jamais ser nomeado diretamente. Meu interesse em tal poe- ma proporciona a minha estrategia de anilise textual uma orienta- cio extralingftlstica e ate mesmo ontolOgica. Este orientacao e, as resto, proposta pelo poema. Creio tambem que se trata de uma orientacio que, de uma forma ou de outra, e proposta pelas obras literirias em geral, muito embora seja extremamente ficil inter- pretar mal o significado de tal proposta. 72 Como o poema "Nineteen Hundred and Nineteen", de Yeats, poema "A Primitive like an Orb" apresenta um sistema serial de imagens organizadas em uma estrutura circular baseada nos termos "como" e "a" e que se situa ao redor de um centro ausente. Esse centro so pode ser nomeado de forma evasive. Por que? Tal tabu con- tra a atribuicao do sentido literal e o esforgo pare violar o tabu constituem, por assim dizer, o assunto principal do poema, o lugar ou lugar-comum em torn do qual ele se organize. "Um Primitivo co- mo um Orbe" 4 composto de doze estrofes numeradas, cada uma com oito versos livres. Assemelham-se quase aos digitos dispostos em torn do mostrador de um relOgio. Na sec:Ina- neje de doze estrofes, he rupturas gramaticais e tematicas radicais al:6s cada grupo de tras estrofes. ApOs cada um desses grupos o poema comeca novamente com uma nova estrutura sintatica e com um novo conjunto de imagens ligadas por "como" ou por "é". Cada novo conjunto desloca o ante- rior. Se as imagens sao unificadas pela sua equivalancia implicita e problematica, a energia original que torna cada uma delas ina- dequada e que leva a sua substituigao por uma outra imagem é a sua relagao de semelhanga, por sua vez ainda mais problemitica, ao centro ausente. 0 centro a represented° pelo sol ma° nomeado."Sol" é a Unica palavra que nao pode ser pronunciada ou escrita no poe- ma. Se um "primitivo" a "como" um "orbe" tal ocorre porque tanto o primitivo como o orbe sao "como" o sol. Um primitivo a como um orbe. Um orbe 0 como um primitivo. Nenhuma destas palavras cons- titui a designagao normal e literal do seu referente porque ocor- re um deslocamento tanto em seu use como no deslizamento sintatico do "como" que as segue ou que as precede. 0 sol, aquela "close, parental magnitude, /At the centre on the horizon, concentrum, grave / And prodigious person, patron of origens" (86-88) ("gran- deza paterna a fechada, / No centro do horizonte, concentrum, gra- ve / E prodigiosa pessoa, patrono de origens") emerge gradualmen- te no desenvolvimento do poema como o referente literal manifesto da cadeia de figures interligadas que constituem o texto. Mas na- turalmente o sol 0, por sua vez, apenas uma imagem do terra "lite- ral" do poema, nomeado no primeiro verso: "o poema essencial no centro das coisas". Segue-se imediatamente a esta frase obscura uma frase justaposta que a ainda mais obscure: "The arias that spiritual fiddings make" 2 ("As arias feitas por melodies de etir- reos violins"). Se um primitivo a como um orbe, o poema essencial 73 no centro das coisas, se 6 que tal expressio tem sentido, a como as arias de melodies de etereos violins, se e que eta expressio, por sua vez, tem sentido. 0 poema avenge de enigma para enigma co- me o veo de uma lamina resvalando n'igua. Avenge por intermedio de frases, cada uma das quais deve ser examinada em detalhe no seu intense jogo figurativo, sintitico e sementico. Diner, por exempla, como diz o titulo, "A Primitive like an Orb" ("Um Primitive come um Orbe") a muito diferente de dizer "o primitive como o orbe" ou "o primitivo como um orbe". Na frase de Stevens tanto primitive come orbe nada male sio do que categories extensivas e indefinidas de orbes e de primitivos a nunca o orbe e o primitive originals. Alem disso, cada uma das dues palavras abre espago em seu interior para uma complexidade inesperada. Um orbe pode ser uma substencia selida, o flamejante orbe paterno do sol, ou pode ser um "0" vazio, um zero, o nada nomeado no final do poema como o "gigante do nada", o que lembra a identidade apon- tada por Paul Claudel entre ova, semente, boca aberta, zero -- "oeuf, semente, bouche ouverte, zero". Um orbe pode ester ainda localizado no centre ou pode ser a circunferencia em torno de um centro, pode ser uma orbits ou uma trajeteria. Um exemplo seria o percurso daquele sol que no poema a um "concentrum" "no centro do horizonte. Outro exemplo seria a prepria linhe do horizonte,aque- le ponto de fuga (vanishing point) na diatincia que cerca o espec- tador. A palavra "primitive", por outro lado, e algo que de alguma forma surge em primeiro lugar. Um primitive di origem a uma se- gaincia de geragees moldadas pelo pal mas admitindo variagOes que tornem o primitive cada vez mais complexo. Um primitivo e um "patrono das origens". A palavra "primitive" tem sentidos especi- ficos em lingdistica, algebra e antropologia. A forma primitive de um vocibulo e o radical a partir do qual se formam palavras deri- vadas no decorrer do tempo. t tambem uma equagao algebrica que constitui a fonte de uma aerie de equagOes algebricas derivadas e mais complexes. Diz-se que e primitive o homem que ainda nio se tornou inteiramente humano e que possui apenas virtualmente, em forma embrionaria, o fardo da culture civilizada. Tante um primitive come um orbe tem simultaneamente dimensees temporais e espaciais. Serie mais exato diner que se tem em cada caso uma imagem especial do tempo. Nos dole cases se falsifica o 74 conceito de tempo ji que o tempo nao pode ser delimitado como um espaco. Por outro lado, nos dois casos se permite ao leitor um a- cesso ao tempo, uma intuigio ou apreensio do sentido da temporali- dade que nao poderia ocorrer sem a intermediatio de imagens Cape- ciais. Tanta o espago quanta o tempo, nessa mitua confluincia con- ceitual marcada pela contradicio, giram ao redor do centro ausente ou se expandem a partir dele ou esti° em Orbita ao seu redor, em consonincia com as sugest6es incoerentes derivadas das imagens de orbe e primitivo. Hi uma aproximacilo de linguagem, espago e tempo ao redor do sol em eclipse, do poema essencial no centro das doi sas. Dele diz o poeta que "é e / nao é, e portanto i". Logo que ele 6 vislumbrado por intermedio de uma designagäo na forma das imagens enigmiticas que constituem os sons haranicos de violinos espirituais no Poema de Stevens, desaparece imediatamente na keve- lacao da insuficiencia de qualquer designee -4o para o poema no Oen- tro. A forge da intuicio de que alga se encontra no centre esti nao na sua revelagio, mas na descoberta de que qualquer nomeacAo ji é, no momento seguinte, um encobrimento, o que se conforma a lei geral da linguagem apocaliptica: "No instante da fala, move-se o sopro de uma aceleragdo ("accelerando")/ Que aprisiona o ser,ex- pande-se e li era". Na estrofe seguinte este "instante da fala abre um "espaco que se alarga" e revels" o inevitivel azul / do trovao oculto (= secluded thunder). Este azul é um ceu vazio que entretanto esconde uma tempestade de relimpagos que é, no horizon- te, a luz fulgurante oculta definida a seguir como "an illusion,as it was, / Oh as, always too heavy for the sense / To seize, the obscurest as, the distant was..." ("uma ilusio, que era / Oh como, sempre opressivo demais para o sentido / Para capturak, o como mail obscuro, o era distante..."). 0 "é" que nao a transforta-se instantaneamente ao set nomeado ou percebido em "era" e portan- to em uma outra imagem ou equivalente metaf6rico, o "como" que se acrescenta a estrutura em cadeia de deslocamentos que prolifera sem cessar e que constitui o poema. Para apresentar ao leitor o jogo de linguagem em "A Primitive like an Orb", vale a pena comparar o poema com um texto extraldo da Gramatologia, de Jacques Derrida: Nero a necessirio meditat sabre este conceito heliocen- tric° de fala? E a semelhanca do logos ao sol (ao bem e a morte que nao se pode encarar de frente), ao rei 75 ou ao pai (o bem ou o sol inteligivel sao comparados ao pai na RepUblica 508 c)? 0 que deve ser a escritura para ameagar este sistema analOgico em seu centro vul- nerfivel e secreto? 0 que deve ser a escritura para significar o eclipse do que é bem e do que 6 pal? Nao 6 preciso deixar de considerar a escritura como eclipse que vem surpreender e ofuscar a glOria do ver- be? E, se hfi alguma necessidade de eclipse, a relagao da sombre e da luz, da escritura e da fala, n6o deve ela mesma aparecer de outra maneira?2 0 texto de Derr/de se move de um conjunto de termos para o seu equivalente, cada um deles sendo uma alternative para o ante- rior, apresentando uma "semelhanca" em relagäo e ele, em uma serie de transformacaes na qual nenhum termo 6 o primeiro ou o nixie() ao redor do qual os outros giram ou o ponto terminal no qual eles possam chegar. 0 logos 6 o sol que 6 o bem que 6 a morte que nio pode ser olhada face a face que 6 o rei que 6 o pai que 6 a mente que 6 a fala. Nesta seqtrencia de analogies nenhum termo representa o inicio ou o final porque cada um 6 apenas mais um. E porque 6 apenas um termo, uma palavra, nio 6 a palavra. t apenas uma figura derivada em uma seqflencia potencialmente infinite de imagens, cada uma das quaffs se refere a uma outra figura, e assim por diante.Ca- da termo que designa aquilo que 6 a origem dos termos 6 uma meta- fora extraida daquele contexto que por sua vez foi presumivelmente derivado daquilo que ele designa. 0 sol, o pai, o rei, a luz, assim por diante, sac, supostamente metiforas que designam o uno, o logos, pilidas cOpias materials dele, analogies ou simbolos. E nesse sentido que se fala da Criagio como o sopro de Deus -- "as noticias de Deus" no verso de Gerard Manley Hopkins. A metfifora extraida daquilo que 6 condenado como secundfirio 6 o termo mais apropriado para aquilo de que se sup6e que ela derive. Derrida argumenta que a condenagfio da escrita serve para obscurecer este fato. Serve para manter o sistema analdgico intacto ao ocultar a semelhanga entre fala e escrita. Ambos constituem de maneira ani- loga aquilo de que propOem ser derivados, mas a autonomia, a repe- tibilidade e a distfincia de toda e qualquer voz viva da escrita fazem isto de forma tao evidente que parecem obscurecer o sol,des- cobrir a escuridao no centro vulner5vel e secreto deste sistema analOgico em sua totalidade. Um conjunto semelhante de equival6ncias opera do inicio ao final de "A Primitive like an Orb", muito embora a forga da pala- 76 vra "semelhante" deva ser aqui entendida tambem anasemicamente3,ou ana-analogicamente. Semelhanca e analogia implicam inevitavelmente um logos central em nome do qual os exemplos sao an&logos, falam com oozes semelhantes, mas 6 justamente a existancia e a natureza deste logos central que estao em questao aqui. De qualquer forma, "A Primitive like an Orb", como a obra de Stevens em sua totalida- de, 6 tao heliocantrica como os diälogos platanicos. Em Stevens o use constante da figura, ou conceito, ou fato literal objetivo(tra- ta-se de todos os tres) da trajetOria do sol, da sua ascengao, da sua marcha majestosa nos c6us, do seu declinio, 6 ainda um exemplo da unidade heliotrapica do repertOrio de tropos ocidentais. Nossa "metaforologia" 6 uma fotologia, ji que todas as metaioras sao formas de ilustrar ou de trazer para a luz, ainda que esta luz se- ja false ou artificial, uma lampada e nao o sol verdadeiro. Em ce- de caso 6 justamente isto, repita-se, que esta em jogo. Seria a luz original ou seria ela feita pelo homem, um caso de "poiesis"? Aparentemente "Um primitivo como um Orbe" escolhe a primeira pos- sibilidade. 0 poema apresenta uma teoria da poesia enquanto reve- lagäo do gigante do horizonte, o poema no centro das coisas que precede todos os poemas menores, a sua fonte, o seu progenitor. E no entanto esse progenitor existe apenas nos poemas menores. "A Primitive like an Orb" avenga de uma para a outra das seguintes 1- magens em seu percurso metafOrico: centro, poems, fala, bem, ali- mento, luz, ouro, vazio (atraves de jogo verbal existente em "gorging"), ar, melodia, espaco, tempo, musics, ser, primitivo, o primitivo como aborigene, como palavra primitive, como radical, como fOrmula primitive da qual outras derivam, como ilustragao, como fonte da forma, como ovo, como semente, como centro e esfe- ra, concentricidade 6 Orbita, como mundo, como esposo, como dese- jo, como vontade, como gozo, como individuo, como pai ("0 poema essential gera os demais), como circulo ("anel"), como todo, como vis, como principio, como fonte primitive, como natureza, como "repouso", como ima ou centro de um campo magnatico, como um gi- gante, como fogo, como origem e secidancia, como anjo, como poder ou fonte de poder, como destino ("prodigioso: do latim, "prodigio- sus", de "prodigium", "agouro", "portento"), como matriz, como abstragao encarnada, como ilustragao, como esqueleto, como a tote- lidade das pinturas, profecias, poemas e cartas amorosas,como mu- dance. 77 "A Frimi .:ive like an Orb" se move em meio as problemiticas equivalencies estabelecidas nesta surpreendente diversidade de termos. Tais equivalencies se baseiam no principio sintitico fun- damental do poema: Frases justapostas que, entretanto, constituem comparag5es desprovidas da expressao "como". 0 comparativo aparece no titulo do poema e no verso em que se menciona "the obscurest as" ("o obscurIssimo como") (the obcurest as). Esta locugäo aponta pare a metafora e para a simile enquanto instrumentos fundamentais do pensar poetic°. Metafora e simile afirmam uma equivalencia en- tre objetos que, contudo, n5o sac) identicos. Uma forma equivalente vem expressa em frases como "A é B". A serie de frases justapostas constitui talvez a forma dominante porque, apesar de tudo, tal ae- rie permanece unida pela ausencia ou pelo apagamento do "é" que entretanto subentendido como a base de sua equivalencia. Este "e" 4 do "ser" que e momentanemtente aprisionado, aquilo que 4 e näo e portanto é. Uma tal pseudo-aerie infinite de equivalincia, na qual um "obscurissimo como" segue-se a outro, gira ao redor do centro ausente da nio-palavra sugerida de forma figurada por todos estes termos, e isso por intermedio da substituigao de cada novo termo figurado polo termo anterior. 0 "obscurissimo como" estabelece uma organizagao formal para o poema como um todo. 0 agrupamento de estrofes que vai da setima nona, por exemplo, forma um longo periodo de frases justapostas em que cada uma substitui a anterior e e substituida pela seguin- te que, por sua vez, recolhe os restos da aniquilagao da frase an- terior; o trecho como um todo, por outro lado, tem como seu centro um 4nico verbo, a copula "é" da primeira linha. Cito essa extraor- dinaria sentenga em sua totalidade para que o leitor possa apre- ciar aqui a maneira como Stevens avarice cuidadosamente de formula- gio para formulag5o, desprezando-as e em seguida procurando varia- saes para a expressao rejeitada. Observe tambem o leitor a comple- xidade sintatica do periodo, n5o apenas em sua dependencia da ae- rie aberta de frames justapostas e do "um" que aparece no titulo, mas também no "o" tanto em seu aspecto diferencial em relag5o ao artigo indefinido como em seu movimento de um padrão gramatical pa- ra outro por intermedio do jogo constante de dos "e", "ou" e "de". A obra de Stevens pode, com certeza, ser pensada em termos de uma admirivel utilizegao daquilo que Roman Jakobson chamou de "poesia 4a gramitica". g tambem um exemplo do que poderia ser chamado de 78 poesia da pontuacio, uma poesia da virgule e da ausincia da virgu- le (como no final da sitima eatrofe), e do adiamento indefinido do Foote final. Aqui esti o periodo: VII The central poem is the poem of the whole, The poem of the composition of the whole, The composition of blue sea and of green, Of blue light and of green, as lesser poems, And the miraculous multiplex of lesser poems Not merely into a whole, but a poem of The whole, the essential compact of the parts, The roundness that pulls tight the final ring VIII And that which in an altitude would soar, A vis, a principle or, it may be, The meditation of a principle, Or else an inherent order active to be Itself, a nature to its natives all Beneficence, a repose, utmost repose, The muscles of a magnet aptly felt, A giant, on the horizon, glistening, IX And in bright excellence adorned, crested, With every prodigal, familiar fire, And unfamiliar escapades: whirroos And scintillant sizzlings such as children like, Vested in the serious folds of majesty, Moving around and behind, a following, A source or trumpeting seraphs in the eye, A source of pleasant outbursts on the ear. "0 poems da composicao do todo" nio é exatamente a mesma coisa que "o poems do todo", muito embora a justaposicio gramatical indi- que que as duas frases devem ou deveriam ser dues maneiras de dimes a mesma coisa. "Um poema de um todo" aerie ainda algo diverso, alga parcial e contingente em contraste com o absoluto e o exclusivo, o marcado, a coisa carte a real no final des contas. A repeticio de expressio "do todo" deixa em evidência o "de". Perguntari o leitor: "De" em que sentido? "De" no sentido de "sobre", de "provaniente de", de "sendo parte de"? Trata-se de um poems sobre o todo, ou um poems que derive do todo, ou um poems que partilha do todo, "uma particula tenaz" dele? Seri que o "de" tem o mesmo sentido em "cox*. posicio do azul do mar a de verde" e em "composicio do todo? Em Ca- da caso o "de" parece apontar pare uma direcio diverse, vindo da 79 (ou indo em diregio a) totalidade em um caso ("composic5o do todo") e vindo da (ou indo pare) a multiplicidade da natureza em outro ("composigio do azul do mar e verde"). 0 leitor tem que procurar o seu prOprio percurso de sentido de frase para frase e de verso para verso, testando e saboreando cada um com o seu paladar mental pars ver o que enema de cada um em sua diferenga minima em relagio ao anterior. As estrofes s5o tambem, como o leitor pode ver, uma manifesta- gio daquilo sobre o que elas falam. Säo uma multiplicidade mila- grosa de poemas menores. Cada frase explode um pouco em revelagOes aforisticas que apontam para a revelagio do todo. Ou nio seria mais precisamente "a revelagio do todo, a expressdo do todo"? Os arti- gos definidos sao insistentes, pelo menos na primeira estrofe, mui- to embora "o poema do todo" na primeira linha se transforme em "um poema do/todo" no sexto e no setimo versos. A composigio de que se trata a uma revelagio do todo que ja esti 15, a composigio do todo ji existente, ou sera antes a composigäo de cada ate de fazer poe- tic°, ou o ato de ajustar partes que venham a formar um todo, como no ensino de redagio? Em outras palavras, o "de" no "poema do to- do", colocado enfaticamente no final de um verso ("Nio somente em um todo, mas um poema do/todo"), possui um valor de verificagio ou um valor performativo? Um tal poema descreve um todo que ji existe, ou trata-se de um todo no processo de ser constituido e portanto nio existente antes da composigio de certas palavras numa certa or- dem? Ou sera que se trata da composigio (que ji existe) atraves da composigio (enquanto processo)? Seja como for, a constante variagio minima de padrOes sintiti- cos e lexicos nAo serve apenas para por em relevo as estruturas gra- maticais do discurso meditativo ("o A do B", por exemplo). A varia- gio tambem liberta palavras abstratas como "todo", "composigio" e "poema" de seu relacionamento no fluxo ou na progressao descontinua do argumento e provoca o seu isolemento, uma vez livres da sintaxe, em termos de um desprotegido poder de sentido em relagio 5quele centro ausente e sem nome, ou poema no centro, ou poema central. Isto se torna particularmente evidente na segunda das duas estro- fes citadas acima, a oitava estrofe. Hi um deslizamento sintatico entre a setima e a oitava estrofes, indicado pela ausencia de vir- gule no final da setima estrofe. Da totalidade da composigio do 80 poema central, a que o poeta chama "o compacto essencial das par- tes", que me parece indicar nao apenas que elas foram compactadas ou justapostas, mas que elas tem, por assim dizer, um acordo para conviver e permanecer juntas, diz-se que e o circulo envolvente de um anel externo, como o arco que cerca um barril, ou mais precise- mente, que 6 uma forge que torna o anel externo retesado e garan- te a estabilidade da estrutura como um todo. Essa totalidade cir- cular, ou compacto, aquilo que faz o todo ser um todo, a simulta- neamente uma forge de integragao do objeto, uma energia unificado- ra sem a qual o objeto seria estilhagado ("in an altitude would soar"). 0 poeta testa varies designagBes para nomear esta energia na oitava estrofe. Salta de uma para a outra por meio do "ou" e veri- fica cada uma em termos da validade do sentido revelado. Cada for- mulagao nova substitui a anterior mas nao a desqualifica enquanto o poeta caminha em direcao a revelacao mais explicita do enquanto tal, muito embora ele permanega ainda oculto em uma personifica- cao: "um gigante, no horizonte, brilhando" (a giant on U-etorizon, glistening). 0 leitor 6 convidado a experimentar a diferenca entre dizer que ele e uma "vis" a dizer que 6 um "principio", ou entre dizer que e um principio e dizer que e a meditagao de um princi- pio" (que pode designer um principio que medita ou entao signifi- car que nos meditamos sobre o principio), ou entre dizer que se trata de uma "ordem inerente" e dizer que 6 uma natureza para seus nativos/Senevol6ncia total" (nature to its natives/All beneficence), ou entre dizer que 6 de alguma forma um repouso e dizer que e a ausancia de repouso definida pela forge muscular de um magneto. Mais uma vez o poema imita aquilo que nomeia. E a meditacao de um principio de unidade por intermedio da denominagao rotative da- quele principio pelos seus varios nomes, "movendo-se ao redor e por detras" (moving around and behind) dele, enquanto ele tambem se move, numa lenta dance circular de linguagem ao redor do primi- tivo em Orbita. Nas nove primeiras estrofes e no poema como um todo ha uma resistencia a parafrase e a comentirios interpretativos porque o pressuposto duplo implicito 6 sempre que, primeiro, nenhuma frase ou nome ou metafora pode adequadamente nomear o primitivo e, gundo, que cada frase ou nome inadequado tem a sua prOpria energia 81 inconfundivel, simultaneamente revelando e ocultando. Cada imagem permite vislumbrar o primitivo no moment() em que ele desaparece, como se as pr6prias palavras fossem o eclipse do sol. Dizer de Outro modo em uma tentative de parafrase ou comentirio como 0 meu, por exemplo significa dizer algo diferente, algo que tenha talvez a sue prOpria forge significative. 0 poems demonstra isso ao tester as minims variagOes de uma dada formulag5o, '‘o repouso total" (utmost repose), por exemp lo, comparado ao "repouso". Os interpretes poderiam supostamente acrescentar algo ao poeme,acres- center mais frases e frases justapostas, mas jamais poderiam ex- plicS-lo trazendo a luz algum sentido obscuro arrancado ao poema nomeando-o de uma vez por todas corretamente ou literalmente. porque partilha deste condicionamento lingtastico, e nAo por um vago direito de ser "poStico ou "criativo", que a critica liters- ria 4 ou deveria ser entendida como um discurso literirio. No final da oitava estrofe, portanto, o poema avenge) por meio da personificagSo latente em "mSticulos de magneto" ate a prosopo- péia principal do sol no horizonte como o gigante fulgurante"vested in the serious folds of majesty" ("vestido nos sitrios tecidos do- brados da majestade") mas simultaneamente adornado tambiam com fri- vola prodigalidade pirotScnica, "Whirroos/and acintillantsizzlings such as children like" (gritos, e os fulgurantes assobios aprecia- dos por criangas). Nsses sérios tecidos dobrados se moven "ao re- dor e por detras", ou sera por outro lado o prOprio gigante que gira em seu prOprio eixo e caminha para a invisibilidade quando se pee e aparenta mover-se ao redor a por detris da terra que gi- ra? A gramitica de justaposiao torna impossivel determiner com certeza da mesma forma que a impossivel saber com certeza se sol nasce ou se pie no horizonte, o que o transforms tanto em ori- gem ("source") como em destino ("a following"), em alfa e omega. A revelagSo fulgurante que se expande do sol nascente ou do sol poente a uma sinestesia que funde o visual e o sonoro, "son at lumiire", luz tao brilhante que a percebida como som. 0 sol no horizonte é a origem de "trumpeting seraphs in the eye" (anjoa que somatranbetas nos olhares) e simultaneamente de "pleasant outbursts on the ear" ("dotes explosOes nos ouvidos"), da mesma forma que na grandiose cena do sol nascente da abertura da segunda parte do Fausto de Goethe "um estupendo alarido proclama o sol que R2 chega" ("Ungeheures Getose verkundet das Herannahen der Sonne"(n0 to para a encenagfio ape's a linha 4665), e 0 sol nasce "assombrando olhos e estonteando ouvidos" ("Auge Hlinzt and Ohr erstaunet" (line 4673)).4 Afirmei que a personificagfio do sol como um gigante emerge no final da set:Ida:Iola no longo periodo que constitui a sfitima oitava none estrofes. A relagäo entre prosopopiia, catacrese a apOstro- fe 6 complexa. No caso n5o existe apistrofe. Wallace Stevens nio fala ao sol, muito embora em "Chocorua to Its Neighbor", um poema de 1943 que antecipa de varies formes "A Primitive like an Orb", a montanha fala para uma montanha vizinha para que o leitor escute ao longe o discurso direcionado a outro, a metade de um difilogo entre montanhas. Em "A Primitive like an Orb" Stevens fala "sabre" sol, em mfiltiplos sentidos da palavra. 0 poema fala para uma audiencia de homens e mulheres que pensam e que partilham com a voz narrative (uma voz a que falta quase totalmente uma personali- dade que possa ser identificada) a revelagio levada a cabo pelaa falas meditativas do poema enquanto ele muda de um registro pare outro: "But it is, dear sirs/ A difficult apperception, this gorging good..." (4-5) ("Mas 6, caros senhores, Uma Percepgio dificil, este deglutir bem"). Seria precise um trabalho maior para identificar e discriminar a multiplicidade de vases, poemaa, e ni- veis de escolha vocabular presentee. Tel multiplicidade nio 6 con- sistente com o modelo de um finico falante dirigindo uma fele uni- voca para uma Unica audifincia. 0 material léxico que comp6e essa mistura de vozes inclui termos abstratos como "composition","laraer "compact" (composigio, todo, compacto); figures de discurso expli- cites como a do "final ring" (0 anel Ultimo) ou a do magneto ou aquela que compare o sol a uma pirotecnia de gritos a assobios fulgurantes apreciados por criangas; e finalmente, a personifica- gio emergente, "an abstraction given head" (81) (uma abstragio com cabeca), do sol ou do poema central como "A giant on the horizon, given arms. /A massive body end long legs, stretched out" (82-83) (Um gigante no horizonte, com bravos, / Corpo macigo longas pernas, que se elonga)." A Primitive like an Orb" foi precedido no use desta figura pela extraordiraria personificagio da noite estrelada como "more than muscular shoulders, arms and chest" (mais do que ombros musculosos, bragos e peito) em"Chocorua to Its Neighbor": "Upon my top he breathed the pointed dark. / He 83 was not a man yet he was nothing else" (24, 36-37) (Sobre o meu curve ele assoprou a escurid go aguda / Ngo era um homem mas, no en- tanto, nada alem de um homem). "Chocorua to Its Neighbor", junta- mente com "Um primitivo como um Orbe" e "The Owl in the Sarcopha- gus", apresentam uma das grandes prosopopeias de Stevens em poe- mas sobre a construgeo da prosopopeia. Em "Sobre a Verdade e a Mentira no Sentido Amoral", Nietzsche inclui "antropomorfismos", juntamente com met gforas e metonimias, como parte do arsenal novel de catacreses por meio das quais a hu- manidade nomeia pela primeira vez o "X misterioso" do mundo e, assim, o descobre e recobre novamente com um ato lingdistico (83, 84). Talvez a personificag go seja a mais importante e a mais fun- damental destas catacreses: aquele gigante que sempre encontramos espelhado na paisagem do outro lado do nosso combate para nomear o mundo e ve-lo como ele g . Talvez o gigante nao seja mais do o nos- so prOprio rosto e corpo refletidos no espelho do mundo, construi- do pouco a pouco a partir do nosso hibito inveterado de chamar os tragos naturais de "rostos", "cabegas", "pescogos", "perms", como em "um bravo de aqua", "a face da montanha", etc. Ou talvez exista de fato algum monstro com aparencia humane no final do caminho que circula ao redor do labirinto, aquele "centro no horizonte" (87). Seja como for, para Stevens existe tambem, neste poema e em muitos outros dentre as obras primas que compOem a sus produgeo tardia, o confronto de uma pessoa nos limites do poder nomeador da imaginageo. Como diz o prOprio Stevens no poema, "It is a giant, always, that evolves / to be in scale" (73-74) (2 um gigan- te sempre, que se transmuta, para ganhar proporgeo). Isto indica tanto que o tamanho excessivo ("bulging") e a avassaladora "gran- deza paterna" sec> sempre caracteristicas do poema central, como tambem que o poema central tem forma humana. Se a aguda sensaggo onde se apaga a luz dos sentidos como por exemplo quanto tenta- mos olhar o sol a olho ou um lugar de sinestesia, o lugar de uma permuta entre os sentidos, o que faz com que o brilho do sol seja ouvido como sons de trombetas angelicas, atingir este lugar tambem o moment() da manifestag go de uma pessoa, um anjo ou um gigante. Isto ocorre a despeito das palavras de Stevens em "Notas sobre uma Ficg go Suprema" sobre a. possibilidade de abolir Apolo e ver o sol "na ideia que ele tem de si", desnudado de qualquer me- tefora ou personificageo mitolOgica. "Queo claro e o sol quando 84 visto em sua idéia / purificado na mais distante pureza do cell / Que nos repeliu e as nossas metiforas" (Poems, 381). Por mais que se tente apagar as prosopopeias fundamentais que usamos para no- mear o mundo, elas retornam sempre, como por exemplo na forma de um rosto e corpo gigantes no sol, ou como na cena do sol nascente no Fausto de Goethe, "Portais de Granite rangem e gritam, / As ro- das de Phebo rolam e quebram" ("Felsenthore knarren rasselnd, Phobus Rader rollen prasselnd" (versos 4669-70), ou como no "Anjo de pa frente ao sol", ou no seu "Ulysses e Polifemo" com o esbogo de Apolo, cavalos, carros de guerra fracamente visiveis diante da Orbita fulgurante do sol, ou como no gigante que emerge do longo periodo que compOe a setima, oitava e nona estrofes do poema de Stevens. Em Wallace Stevens, o que caracteriza a descrig5o desse re- torno progressivo é a forma pela qual se mostra o retorno da pro- sopopeia n5o primariamente atravas das outras catacreses personi- ficantes da linguagem comum ("o olho do sol"), mas atraves do mo- vimento cinetico em palavras abstratas como "composition","ompact", "beneficence", ou "repose" (composicao, compacto, beneficancia, repouso). Pode parecer que as metiforas etimolOgicas estäo mortas e inofensivas nestas palavras, mas Stevens compete com Walter Pa- ter em sua aguda sensibilidade para perceber as "particulas ele- mentares em palavras aparentemente abstratas, em sua capacidade para sentir "o evento, a cor, os elementos fisicos em palavras como absorver, considerar, extrair" (absorb, consider, extract" (Pater, "Style", 20). Estes elementos fisicos ou particulas näo sao coisas mas sim atos ou movimentos, como no ato de extrair con- tido no "tract" de "extract" e o movimento para fora. do "ex", ou no ato de colocar junto em "composition", ou de deslocar para tress em "re-pose", ou ou no ato de acoplar em "com-pact", que inclui um eco proveniente da palavra anterior na forma de um "com" ou de um "pos". 0 jogo de palavra tendo como tema o "pos" jd tinha na verdade sido antecipado na descrig5o do poema central como "dis- posed and re-disposed / By such slight genii in such pale air" (dispostos a redispostos/Por genios minEsculos no ar enbranqueci- do"), na primeira estrofe. Stevens parece sentir nas assim chama- das palavras abstratas um movimento muscular subliminar em seu prOprio corpo, que dessa forma reage e projeta para o mundo exte- rior atos cinesteticos. 0 gigante no horizonte, brilhando, emerge 85 gradualmente desses cotporais ativados pelo jogo de abstracges, Combinados e recombinados de perlodo pare periodo, ate que final- mente aquela ordeM ou principle inerente de reunir as partes em um todo, que é tanto eg g° como imobilidade, "Vis" e repouso, e percebida como os "mtisculos de um magneto". E destes imisdulos, SiMUltaneamente interibtes e exteriores, simultaneamente metgfora de uma metifora ( "mdsculos de um magneto"), abstrac go e datacrese ea forme de prosepopAia, que emerge e tome forma exterior o gigan- te gran:110So do sol no hotizonte. Entte as abstragges endontra-se, na deciWa priMeira estrofe, a pr6pria palavra abstracio juntamente Com tree outran( "defini,- cgo" (definition), "ilUStraC go" (illustration) e "rotulado" (labelled). EM conjunto elas apresentam a anglise feita pelo pr6- prio Stevens da estratOgia retOrica por meio da gnat as dietincOes entre palavras abstratas, metgforas, e personificag ges se dissol- vem no reconheciMento de que todas constituem exemplos daquela a- rea tranabordante na qual a catadtese e a prosopopeia, a despeito de sells diferentes objetivos, aproximam-se na interfer gncia mgtua de uma sobre a outra. A catacrese aponta para a reVelac go, para o brilho exteriorizado, como no case do sal nascente ou poente no fUlgor da sua glOria. A prosopopeia aponta para a morte e pare o ocultamento, para a invisibilidade, como e o case do sol na forma da morte que nAo pode ser olhada frente a frente. A prosopopeia 'Aponte para a ode e para a elegia, como a claramente o caso de "The Owl in the Sarcophagus", de Stevens. A prosopopeia e a invo- caego do ausente, do invisivel, do sepultado, como no caso do sol que se oculta abaixo da linha do hotizonte, ou que ainda n go nas- ceu como por exemplo na extraordiniria encarnac go da desencarnacgo jA mencionada, ou seja, a personificag go do cell estrelado em "Cho- corua to Its Neighbor": "The feeling of him was the feel of day,/ And of a day as yet unseen... / He was a shell of dark blue glass, or ice, / Or air collected in a deep essay, / Blue's last transparende as it turned to black" (16-17, 21, 22, 25) (Senti-lo era sentir o dia / E o dia ainda n go visto / Era uma concha de vidro azul eacuro, ou gelo, / Ou ar inspirado em profunda busca, / A iltima transparência do azul que se torna negro). A catacrese que a tambern prosopopeia, como tantas sae), (0 o caso de "muscles" em "muscles of a magnet"), encontra-se no cruza- mento destas dues orientag ges contraditOrias nas quais se unem o 86 aparecer e o desaparecer no centro do horieonte. Neste lugar sem luger as distinceez lexical entre abstragao, metafora e personifi- cacao se diluem. As abstrag6te de Stevens sao também metaforme, e sAo ainda personificagOes latentes. Como a prOpria palavra "abs- tragao" indica em seu sentido etimolegico, o gigante a extraido e elaborado ou incorporado a partir des abstragOes, ele a Aostraide delete: "Here then, is an abstraction given head, / a giant on the horizon, given arms, / A massive body and long legs" (81-S3)(AqUi, pots, este uma abstragio coin cabega, / Um gigante no horieonte,com bragos, / Um corpo macigo e longas perms). Esta personificaciO, como o pr6prio poeta die de forma certeire, e "Uma definicAo coin uma ilustragRo, embora nao / excessivamente bem nomeade (84-65). A definigao aerie talvez a abstragao inicial a sues permutagees ("0 poema central e o poema do todo" a assim por clients). A ilus- tragao é a figuragao por catacreae que emerge des abstragees como um trazer para a luz (que e, de recto, o que "ilustragio" signifi ca etimologicamente). 0 ato de nomear é a composigeo final deseas incorporag6es transiterias analoga a personificagao do poema como um gigante. Mae eases tree formes de lingUagem sao simultaneamente uma definigio, um delineamento e eatabeleciMento de fronteiras, uma ilustragio e um trazer pare a luz, e finalmente uma rotulagao ou uma ilustragao nomeadora definitive. %des ;Betas iluetracems, sem as quais nao haveria poesia ou critica de poesia, desaparecem naquele centro de luz ofuscante, o buraco negro que neo dove ser rotulado coin precisao excessive para que os termos usados nao per- cam totalmente a validade. Elea perdem ate meemo aquela traneit6- ria validade hesitante da alusao indireta que Stevens celebra a se transformam na fixidez reduzida e comicamente inadequada quo narrador do poema ridicularizou um moment° antes( "As in a signed photograph on a mantelpiece" (76) (Como em uma fotografia autogra- fada sobre o mOvel). Estes figures imOveis sRo uma parOdia despre- zivelmente auto-referencial da definigeo iluatrada, mae jamais ro- tulada corn precise°. 0 gigante no horizonte nä° pode receber ne- nhum nome preprio e nem sequer diz ou designa-se a si mesmo coin um nome, como fez alguem que assina a sua prepria fotografia. Afirmei anteriormente que o use feito por Stevens, neste e em muitos ou- tros poemas, da trajetOria do sol como abstragao basica, tropo e figura da jornada narrative personificada o colon& no contexto da tradigao poetics ocidental originada na culture grega antiga. Mae 87 Stevens tambem as situa em uma tradigao que remonta pelo menos a Aristeiteles na medida em que fez do sol o exemplo principal de catacrese. Se um nome pr6prio ou literal depende da visibilidade total, a luz do sol, daquilo que e nomeado, o prOprio sol, nas pa- lavras de Stevens, "nao pode lever um nome" (Poems, 381), ou nao pode ser nomeado com rigor, uma vez que e invisivel durante aquele periodo de sua Orbita na qual se esconde e se sepulta no horizon- te. Como todas as circunlocuc8es que compOem o poema, a palavra "sol" a tambem uma catacrese. Nio e por acidente e nem por escolha arbitraria do poeta que o "gigante feito de nada", ou seja, o poe- ma central, o primitivo como um orbe, acaba por revelar-se como 0 sol. E se a palavra nao pode aparecer no poema nao 8 porque o poe- ta este meramente brincando com o leitor. Mas apesar disso o leitor de "Um Primitivo como um Orbe", ou pelo memos o leitor que escreve estas linhas, tenta identificar aquele centro evasivo, tenta nomea-lo com a finalidade de inter- romper e controlar o movimento estonteante de metifora para meta- fora que constitui a textura lingdistica do poema. Ha tres opgaes possiveis pars a referCncia extralingdistica que poderia, se fos- sem identificada, resolver o enigma e atenuar a insatisfacao men- tal perdida no movimento de imagem para imagem do poema e neces- sitada de descobrir "sobre que assunto" ele fala: (1) 0 poema po- deria nomear obliquamente um referente fisico, uma cena ou objeto do mundo exterior que o poema imita ou representa. Logo que este referente objetivo a identificado, os leitores tem alqo em que se apoiar no seu percurso através do poema. Uma tal leitura veria o poema, de uma forma ou de outra, como uma representacao mimetica. (2) 0 poema, por outro lado, pode representar um estado psicolOgi- co, a mente do poeta, por exemplo, que poderia ser pensada como existindo fora do poema e nele expressa e copiada. Isto seria a conhecida teoria do poema enquanto imitacao ou expressao de esta- dos psicolOgicos. (3) 0 poema poderia finalmente nomear obliqua- mente um centro transcendental ou espiritual: Deus, a ideia do uno, o ser, a "luz isolada, no cume da montanha" (48) de que fala poema na sexta estrofe. Neste terceira possibilidade ter-se-ia uma nogeo de mimese como a que encontra em Platao, para quern os varios graus de imitagao acabam finalmente por depender de prot8- tipos existentes no mundo des idelas. 88 Estes sac) tres versOes da definicio da poesia enquanto imita- 95o. "Um Primitivo como um Orbe" sistematicamente confunde cada uma das tres explicagees possiveis. 0 poema n5o copia nenhuma cena consistente e nenhum objeto definido. 0 que ele faz e avangar a- traves de uma estonteante proliferaceo de metiforas variadas, cada uma delas anulando a anterior. Hi fragmentos e particulas de cenas que se superpOem de forma incoerente: mUsica, vide e trabalhosfar- jados, ouro essencial oculto em uma cavern, a cena de um passeio nos campos, uma tempestade de raios na distancia, etc. Somente quando o poema atinge finalmente o gigante no horizonte os leito- res comegam a ter algo mail definido em que pensar, mas nesse mo- mento eles j5 sabem que o gigante e apenas macs uma metifora e não aquilo "sobre o que" fala o poema. 0 gigante e tambem apenas uma outra "ilustragäo", um trazer para a luz por meio de um exemplo. 0 gigante e uma outra imagem ou emblema, ou seja, algo que se refere mail uma vez a alguma coisa alem de si mesmo. Todos os termos do poema sac) designagOes pare aquele primitivo central, invisivel e nä° nomeado, a magnitude da qual todas as ilustracOes sao partes menores (85-86), o poema-pai do qual säo filhos todos os poemas reals. 0 poema essencial, como diz o texto, gera todos os outros. Quanto a segunda possibilidade, embora possa ser confortante para os leitores imaginer que eles est&c, obtendo acesso a "mente de Stevens" ao ler o poema, a verdade e que não existe um ser in- dividual no poema, neo existe uma coerencia psicológica pessoalque se expressa e a qual fariam referencia as palavras do poema. Sho conhecidas a austeridade e a impersonalidade das oozes poeticas de Stevens e as suas constantes mudangas de tom. A nogäo de que a poesia ocorre quando um homem fala a outros homens não nos leva muito longe na leitura de "Um Primitivo como um Orbe" ou na de outros poemas como "Chocorua to Its Neighbor" ou "The Owl in the Sarcophagus". 0 que n5o quer dizer que os poemas de Stevens sio desprovidos de intensidade passional, moss sim que as categories psicolOgicas ou as categories que definem o ser individual ajudam pouco na sua compreensio. Reduzir o poema a uma express5o do "ser individual" de Stevens ou de sua "consciencia" significaria trans- form :á-10 naquela "fotografia autografada sobre o mOvel" (74) de que o poema fala com ironia. Reduzir, pela "forge ("virtude"), o tamanho do gigante no horizonte, "(torte-lo) / em tamanho e soli- 89 dio ou (imaginary faze-lo" (74-75) constitui um esforco mesquinho e Parece, portanto, que a terceira possibilidade aerie a res- posta. Todos os termos no poema se referem iquela realidade espi- ritual evasive, o que Stevens denomina em outro texto "o simples ser" (Opus 117). Este realidade 6 a timida amante cortejada por todos os seus poemas ou, mais exatamente, a totalidade daquilo que pode ser percebido e o teatro em que o gigante no horizonte corte- za a natureza e a mente como suas esposas. 0 casamento e admira- velmente expresso na segdencia que vai dos versos 39 a 46: ... It is As if the central poem became the world. VI And the world the central poem, each one the mate Of the other, as if summer was a spouse, Espoused each morning, each long afternoon... At mesmo esta terceira possibilidade, contudo, que 6 a pos- sibilidade de o poema se constituir em um ato performativo de revelagio em que as palavras trazem a descoberto alguma coisa ocul- ta, e questionada pela estrategia lingfilstica do poema. Nas ima- gens de "Um Primitivo como um Orbe" hi uma ambigdidade sistemitica que torna o poema semelhante iquele ovo hermetic° de que fala Yeats: um ovo que se vira de dentro para fora sem quebrar a casca. A ambigdidade esti na incerteza, que existe a despeito da afirma- gio de que "o poema essencial gera os outros poemas", a respeito de quem 6 o pai de quem. Seri que o poema particular é somente uma pilida cripia do poema essencial, ou sere antes uma parte dele, co- mo afirma em certa altura o poema? No poema bem acabado a composi- gio poetica central se transforma no mundo, que se torna por sua vez seu esposo, que nela tem "o seu espelho e o seu olhar" (44),ou seja, o poema particular. 0 poema essencial esti fora do poema particular enquanto centro no horizonte e 6 simultaneamente a to- talidade de todos os "escritos, profecias, percepOes, fragmentos/ De cor" (94-95), e portanto encarnado em cada ato criador. Estas inscrigOes ou encarnacOes sio imitac6es pilidas do poema central, dividido, fragmentado e disperso, e simultaneamente aquilo que o forma e de que ele se constitui. Tornados em conjunto eles sio o 90 poems central, e ao mesmo tempo ales o geram enquanto o ponto de fuga para o qual cada um deles aponta em sus incapacidade de ser mais do que parte do todo, uma sinedoque dele. Esse paradoxo é ex- presso de uma outra forma em "The Man with the Blue Guitar" e no comentirio sobre o poema que aparece nas cartes de Stevens a Rena- to Poggioli. A imaginag5o deve ser um filho capaz de derrotar seu psi e tornar-se a "parte verdadeira" dele, ou seja, o seu sexo. 0 filho tomari o lugar do pai, n5o para destrui-lo, mas para se transformer nele. A imaginagio filial deve superar a distancia entre o leäo na harpa e o leao na pedra ate que ambos possam se fundir e tornar-se uma se realidade. Este processo de fus5o, no momento em que se complete, fra- cassa. E fracassa porque tanto o poeta como o leitor acabam por ter em maos apenas um frigil simulacro, uma imagem, ou uma ilus- trag5o no sentido pejorativo, um invOlucro vazio, uma cepia -- um "segundo" nas palavras de Stevens. Este invelucro deve ser des- truido, jfi que ele perde imediatamente toda a sua autenticidade. Ao ser expresso ele j5 se transformou em algo que era, "an illu- sion, as it was" (uma ilusao, porque foi, por assim dizer), como "uma fotografia autografada sobre o mOven 8 por este motivo que a definigio com uma ilustragio nä° deve ser nomeada exatamente de- mais. Cada definigao com uma ilustracäo deve ser imediatamente rejeitada no memento em que e apresentada, e deve ser substitui- da pela seguinte, na serie de expressOes que proliferam e que cons- tituem grande parte do poema. Ao desaparecer, cada imagem se reve- la como um novo nome para o vazio. 0 gigante e "o gigante do na- da" (95) apesar de the ser atribuida proeminente substancia mascu- line e solidez m5scula. Somente na medida em que cada imagem se revela enquanto cepia, ou enquanto mais uma ilusao mimetica, pode ela adequar-se aquilo de que a uma ilustracio porque tanto a ilus- tragäo (o ato de trazer para a luz) como aquilo que e ilustrado (o gigante) "modif learn-se constantemente, vivem em mudanga" (96). A imagem deve partilhar da natureza daquilo de que e uma imagem. Sua qualidade vazia, ficticia, evanescente e essencial para sua ade- quag5o. Uma vez que o preprio padroeiro (um ser?) das origens vive no tempo e na mudanga, pode apenas ser adequadamente expresso em imagens temporais -- vale dizer, em imagens que sao e n5o sâo e portanto s5o. A luz deste primitivo central nio 8 uma luz isolada, no cume da montanha. Como Yeats, Stevens rejeita um universo de 91 emanagOes platOnicas originirias de fontes tarmicas espirituais e anteriores. Tambam Stevens prefere o redemoinho a queda d'agua.Pre- fere o labirinto da imanancia a qualquer hierarquia dependente do uno transcendental. Tanto como Yeats ou William Carlos Williams, Stevens afirma energicamente o poder da poesia. Essas afirmagOes permanecem sem- pre indeterminadas. Serie a inveng go do poems criaggo ou descober- ta? A ilustragio ilustra uma luz que the a anterior, a chama pa- terna que gera todas as chamas menores? Ou serao as chamas menores particulas da chama paterna e portanto parte essencial dela, a ponto de ser possivel manifestar-se a luz apenas na presence do poema? Ou serao as chamas menores na verdade idanticas a chama pa- terna, esta Ultima existindo e sendo gerada somente pelo comarcio das imagens, sendo portanto o filho o verdadeiro pai de seu psi? "Um Primitive como um Orbe", como todos os poemas da Ultima fase de Stevens, situa-se no intervalo que separa estas tras posicOes. Cada uma delas constitui uma miragem das outras. Stevens nao é um poets confuso ou propositalmente contraditOrio. Situa-se antes na inevitgvel oscilaggo no interior da linguagem e no interior das experiências que a linguagem simultaneamente imita e cria reali- zando de outra forma a mesma oscilagio. E impossivel haver criacao sem descoberta, ou descoberta e ilustragao sem criacao, sem o pra- zer da linguagem que ocorre sempre que o ser humano a usa a partir do seu desejo. Nero hi invengao (no sentido de descoberta) sem in- vengao (no sentido de criagao). Antes que o que ama, o que tem fa e o poets falem, nao existe poema essencial. 0 poema essencial s6 existe em poemas menores. No entanto, o poema essencial parece existir desde sempre, unificando todos os poemas menores. Ele os terns completos e cria a partir deles o poema do todo -- vale di- zer, algo que se move, como o tempo, sempre em direcio ao todo, em diregao ao final que nao pode jamais ser atingido. A resposta a minha pergunta inicial sobre o poema de Stevens ("Por que nao pode o sol ser nomeado diretamente no poema?") esti agora suficientemente esclarecida. Tao esclarecida quanto possi- vel, ou tao esclarecida como a clara vis go que se tem quando se olha diretamente para o sol. A palavra "sol" exists, e o sol a no- meado indiretamente de muitas maneiras no poema. Reduzir o sol ao seu (sO aparentemente prOprio) nome, contudo, levaria o leitor a 92 erroneamente pensar que o "assunto" ou o "objeto" de que trata poema, o seu significado basico e determinante, 6 literalmente o sol real, enquanto o sol, nomeado em condensacOes enigmaticas em deslocamentos de sentidos no poema, 6 apenas um dos muitos deslocamentos de sentido que nomeiam "0 poema essencial no centro das coisas". Este poema essencial, por sua vez, como a prOpria pa- lavra "poema" ji indica, 6 alguma coisa que se faz em suas ilus- tragOes. Poesia significa o "ato de fazer". 0 poema central deri- ve deltas ilustragOes, muito embora ele anteceda e ultrapasse to- das as ilustragOes. No centro do labirinto ou do redemoinho de palavras que cons- titui "Um Primitivo como um Orbe" existe um X desconhecido que nao pode ser nomeado a nao ser de forma figurada. Esses nomes sao por- tanto nao substituigOes para um termo literal que rotula um objeto exposto aos olhos ou a compreensao. Sao antes termos figurados para algo que nao 6 nem uma palavra, nem um pensamento, nem uma coisa, nem uma force mas que tambem /lac. 6 um nada. Nas palavras de Stevens, trate-se de um "gigante de nada", algo que 6 e nao 6 e portanto 6. Esse gigante 6 palavra, pensamento, coisa, forma, pes- soa, simultaneamente. E tudo isso e ao mesmo tempo nao é nada disso. Ele portanto torna irrelevante e desqualifica as oposicOes necessaries pars a constituigao de uma topologia exaustiva das figuras e conceitos do poema. 0 poema nao pode ser pensado clara- mente muito embora, como mostra o meu comentario, haja muita coisa a ser dita sobre ele. No entanto, enquanto avanga em suas obser- vagaes, o interprete se ve privado de distingOes claras entre sub- jetivo, objetivo e lingdistico e entre o literal e o figurado, que constituem as condigOes das quais toda explicacao sempre dependeu para ser clara. Ao intarprete resta apenas um espaco paradoxal, simultaneamente interior a exterior, objetivo e lingnistico, um espaco de elementos organizados como anais girat6rios ao redor de um centro que nao pode ser nomeado ou identificado como tal e que nao 6, de resto, um centro propriamente dito mas algo "ecentrico", pars fora e alem da periferia, como uma trovoada no horizonte. "Um Primitivo como um Orbe", em resumo, "(resiste) a compreensio quase com axito", o que de acordo com Stevens é o que toda a poesia de- veria fazer (Opus 171). 93 NOTAS 1Collected Poems 440-43. As citagOes do poema serao doravante iden- tificadas apenas pela numeragio das linhas. Outras citag6es de Stevens serao identificadas pelos nUmeros das piginas em Poems e em Opus Posthumous. 20 texto original utilizada, com pequenas alterag6es, a tradugao feita para o ingl6s por Gayatri Chakravorty Spivak (91-92). A tra- dugao aqui apresentada em portuguas é a de Miriam Schnaiderman e Renato Janini Ribeiro (Jacques Derrida: Gramatologia, Sao Paulo, Perspective, 1973, pp.115-116). 3A respeito desta palavra, ver Abraham, e ver tambem os comentarios de Derrida a respeito do use que faz Abraham da palavra ("Fors" 7-82, especialmente 11). Para a tradugao em inglas deste ensaio, ver "Fors", de Barbara Johnson. 4Para a tradugao, ver a Norton Critical Edition (119); Para o texto no original alemao, ver o Hamburger Ausgabe (147, 148). APENDICE A Primitive like an Orb Wallace Stevens The essential poem at I the centre of things, The Arias that spiritual fiddlings make, Have gorged the cast-iron of our lives with good And the cast-iron of our works. But it is, dear sirs, A difficult apperception, this gorging good, Fetched by such slick eyed nymphs, this essential gold This fortune's finding, disposed and redisposed By such slight genii in such pale air. II We do not prove the existence of the poem. It is something seen and known in lesser poems, It is the huge, high harmony that sounds A little and a little, suddenly, By means of a separate sense. It is and it Is not and, therefore, is. In the instant of speech, The breadth of an accelerando moves, Captives the being, widens -- and was there. What milk there is in III such captivity, What wheaten bread and oaten cake and kind, Green guests and table in the woods and songs At heart, within an instant's motion, within 94 A space grown wide, the inevitable blue Of secluded thunder, an illusion, as it was Oh as, always too heavy for the sense To seize, the obscurest as, the distant was... IV One poem proves another and the whole, For the clairvoyant men that need no proof: The lover, the believer and the poet. Their words are chosen out of their desire, The joy of language, when it is themselves. With these they celebrate the central poem, The fulfillment of fulfillments, in opulent, Last terms, the largest, bulging still with more, V Until the used-to earth and sky, and the tree And cloud, the used-to tree and used-to cloud, Lose the old uses that they made of them, And they: these men, and earth and sky, inform Each other by sharp informations, sharp, Free knowledges, secreted until then, Breaches of that which held them fast. It is As if the central poem became the world, VI And the world the central poem, each one the mate Of the other, as if summer was a spouse, Espoused each morning, each long afternoon, And the mate of summer: her mirror and her look, Her only place and person, a self of her That speaks, denouncing separate selves, both one. The essential poem begets the others. The light Of it is not a light apart, up-hill. VII The central poem is the poem of the whole. The poem of the composition of the whole, The composition of blue sea and of green, Of blue light and of green, as lesser poems, And the miraculous multiplex of lesser poems, Not merely into a whole, but a poem of The whole, the essential compact of the parts, The roundness that pulls tight the final ring VIII And that which in an altitude would soar, A vis, a principle or, it may be, The meditation of a principle, Or else an inherent order active to be Itself, a nature to its natives all Beneficence, a repose, utmost repose, The muscles of a magnet aptly felt, A giant, on the horizon, glistening, 95 IX And in bright excellence adorned, crested With every prodigal, familiar fire, And unfamiliar escapades: whirroos And scintillant sizzlings such as children like, Vested in the serious folds of majesty, Moving around and behind, a following, A source of trumpeting seraphs in the eye, A source of pleasant outbursts on the ear, X It is a giant, always, that is evolved, To be in scale, unless virtue cuts him, snips Both size and solitude or thinks it does, As in a signed photograph on a mantelpiece. But the virtuoso never leaves his shape, Still on the horizon elongates his cuts, And still angelic and still plenteous, Imposes power by the power of his form. XI Here, then, is an abstraction given head, A giant on the horizon, given arms, A massive body and long legs, stretched out, A definition with an illustration, not Too exactly labelled, a large among the smalls Of it, a close, parental magnitude, At the centre on the horizon, concentrum, grave And prodigious person, patron of origins. XII That's it. The lover writes, the believer hears, The poet umbles and the painter sees, Each one, his fated eccentricity, As a part, but part, but tenacious particle, Of the skeleton of the ether, the total Of letters, prophecies, perceptions, clods Of color, the giant of nothingness, each one And the giant ever changing, living in changer. Om Primitive come um Orbe Wallace Stevens O poema essencial no centro das coisas, As arias de sons de etereos violinos, Deglutiram o ferro impuro de nossas vidas com o bem E o ferro impuro de nossas obras. Mas e, caros senhores, Uma percepeao dificil, esse bem deglutir, Procurado por ninfas de olhos espertos, esse ouro essencial, Esse achado da fortuna, disposto e redisposto Por ganios mindsculos do ar embranguecido. 96 II Nao provamos a existancia do poema. E algo sabido e visto em poemas menores. E a graLdiosa, elevada harmoni& que soa Um momento, a mais outro, de repente, Atraves de um sentido a parte. E e Nao a e, portanto, e. No momento da fala, Move-se o sopro de uma aceleragio, Captura o ser, se expande e la era. Qual e o leite que existe em tal captura, Qual o pio de centeio e de aveia, que amiveis Novos convidados e que mesas nos bosques, que cangóes Na alma, no movimento de um instante, em Um espago que se expande, o azul inevitivel Do trovao oculto, uma Huse°, como se fosse 6 como, sempre por demais pesado para o sentido Para apreender, o obscurissimo como, o distante era... IV Um poema prove outro e o todo, Para os clarividentes que dispensam proves: amante, o crente e o poeta. Suas palavras escolhidas pelo desejo, gozo da linguagem quando com eles e. Com elas celebram o poema central, Conquista das conquistas, em opulentos Termos finais, os maiores, e crescendo ainda com mais. V Ate que a terra gasta e o ciu, e a arvore a nuvem, a ervore gasta e a nuvem gasta, Percam os desgastados usos que delas fizeram, eles: esses homens, e a terra e o ceu, formam Um ao outro coin precisas formagóes, precisos Saberes libertos, ocultos ate enteo, intervalo daquilo que os unificava. E Como se o poema central se tornasse o mundo. VI o mundo o poema central, cada um o esposo Do outro, como se o verso fosse o cenjuge, Esposado em cada manha, em cada longo entardecer, o esposo do verso: seu espelho e seu olhar, Sua Unica pessoa e local, um ser seu Que fala, denunciando seres separados, os dois um so. poema essential gera os demais. A luz Dele nao é uma luz aparte, morro-acima. 97 VII poema central e o poema do todo poema da composigäo do todo, A composig5o de mar azul e de verde, De luz azul e de verde, como poemas menores, a miraculosa variedade de poems menores, Nio apenas em um todo, mas um poema Do todo, o compacto essential das partes, circulo que retesa o anel Ultimo VIII que para os altos voaria, Uma forge, um principio ou, talvez, A meditagäo de um principio, Ou ainda uma ordem inerente que age para ser Ela mesma, uma natureza para os seus toda Benevolincia, um repouso, o mail profundo repouso, Os mUsculos de um im& percebidos com rigor Um gigante, no horizonte, refulgindo, IX vestido em reluzente excerencia, coroado Com todas as chamas familiares, prOdigas, com fugas imprevistas: algazarra os brilhantes assovios favoritos de garotos Revestidos nos solenes trajes da majestade, Movendo-se ao redor e por detris, uma seqd5ncia, Uma fonte de serafins que soam trombetas nos olhares, Uma fonte de sonoras explosOes no ouvido. um gigante, sempre, que evolui para A certa medida, a menos que a virtude o corte, apare Grandeza e solid5o ou pense faz&-lo, Como em uma foto assinada sobre o m6vel. Mas jamais esquece sua forma o virtuoso, alonga ainda no horizonte os seus aparos, ainda angelical e ainda em abundancia, Exerce o poder pelo poder de sua forma. XI Aqui, portanto, est5 uma abstragao com cabega Um gigante no horizonte, com bragos, Um corpo compacto e longas pernas, estendidas, Uma definigio ilustrada, nio Nomeada com excessive exatid5o, um grande entre pequenos Seus, uma grandeza paterna e fechada, No centro do horizonte, concentrum, grave, prodigiosa pessoa, patrono de origens. XII 2 isso. 0 amante escreve, o crente ouve, poeta murmura e o pintor ve, 98 Cada um, sua fatidica excentricidade, Como uma parte, apenas parte, nao macs que tenaz particula, Do esqueleto de ar, do total De cartas, profecias, percepOes, manchas De cor, o gigante do nada, cada um E o eternamente mutivel gigante, em mutacao vivendo. 99 Page 1 Page 2 Page 3 Page 4 Page 5 Page 6 Page 7 Page 8 Page 9 Page 10 Page 11 Page 12 Page 13 Page 14 Page 15 Page 16 Page 17 Page 18 Page 19 Page 20 Page 21 Page 22 Page 23 Page 24 Page 25 Page 26 Page 27 Page 28 Page 29